A ASSANHADA DO 704

Apartamento novo, mudaram a menos de três semanas, depois de uma tumultuada transição de imóveis, a vida parecia tomar um novo rumo. A moradia anterior desgastava o casamento, o lugar era velho, com decoração escura e nada agradável, fazendo com que eles perdessem o gosto de estar lá. Eram oito anos de relacionamento que precisava ser estimulado em novos ares. Procuraram nas imobiliárias no bairro que residiam, visitaram cerca de dezessete apartamentos em uma semana, fecharam o contrato na semana seguinte. Tudo estava prestes a mudar na vida do casal. O apartamento era pequeno, porém, claro, com construção contemporânea e simples, fácil para decoração.

As coisas andavam bem, apenas os costumes de Simone estavam tirando o sono de Rafael. Ela chegava em casa e tirava toda a roupa, nada incomum na vida do casal, mas as cortinas ainda não haviam sido instaladas e a bela moça tornara-se a alegria da vizinhança.

Morena, cabelos longos, corpo violão e um sorriso lindo, ou seja, qualquer um olharia, mesmo que não quisesse. Ela chegava todos os dias no mesmo horário, incrivelmente nesse momento os homens já estavam dentro de suas casas, devidamente posicionados e aguardando ela atravessar do banheiro para a cozinha, da cozinha para o quarto e do quarto para a sala. Eram poucos instantes, mas alegrava o dia de muitos marmanjos e de uma lésbica que tentava virar os olhos, mas não mais disfarçar o desejo. O bloco ao lado comportava seis apartamentos que tinham ampla visão para o ninho do casal. Ela, no início não percebeu os olhares dos vizinhos, mas Rafael percebia e sabia que os atos dela eram involuntários. na casa anterior eles não tinham vizinhos tão “próximos”.

A correria do dia a dia atrapalhava os planos da busca pela cortina, então a alegria alheia permanecia e agora com o conhecimento dela. Simone começou a notar os olhares nos corredores do prédio, ela sabia que era bonita e que chamava a atenção dos homens, mas nunca havia chegado nesse ponto. Estava passando do limite do aceitável. O que seu marido iria pensar? O que as esposas desses homens falariam dela? Chegou em casa, e como de costume, despiu-se, mas dessa vez, dentro do banheiro, nada pode ser visto. Tomou um demorado banho morno, usou xampu, condicionador, sabonete perfumado e vestiu-se, antes de ir ao quarto. Os homens e a lésbica que a observavam questionavam-se sobre a mudança da rotina da assanhada do 704.

Seu Leonardo, um senhor de mais de 80 anos que tinha o privilégio de ter sua sala exatamente em frente a janela de Simone, havia investido em um binóculo para facilitar sua visão. Preparou-se em sua poltrona de couro marrom já gasta do tempo de uso, solicitou a sua empregada que lhe fizesse uma bacia de pipocas e que lhe trouxesse uma lata de “coca”. Seria um cinema sem sair de casa. Mas não aconteceu. Rafael chegou em casa, largou o celular, as chaves do carro, os óculos e foi ao encontro de sua esposa. Ela estava dormindo, linda e nua. Completamente nua, no entanto, havia deitado em um colchão embaixo da janelo, evitando a visão dos curiosos. Ao entrar desastradamente, ele tropeçou no chinelo dela fazendo barulho e ela despertou.

— Oi amor, chegou agora? Estava sonhando contigo.

— Oi, minha linda, desculpe te acordar. Mas o que aconteceu pra estar dormindo agora?

— Não sei, estou meio chateada e preocupada. Nos últimos dias estou percebendo olhares estranhos em minha direção. Estou sentindo como se fosse um alvo.

— Meu amor, você é linda, isso sempre irá acontecer.

— Rafael, você fala isso porque me ama. Mas até a mulher do bloco B me fuzila com olhares. O que será que aconteceu?

— Amor, o que aconteceu é que essas pessoas te viram pela janela da sala e como tens o costume de andar pelada, viraste a alegria dos vizinhos do bloco B.

— Como assim, mas não fico me exibindo.

— Eu sei, mas iremos resolver isso.

— Vamos comprar as cortinas?

— Sim, mas antes de instalá-las vamos fazer uma surpresa para nossos amigos.

O casal saiu rumo a loja de cortinas, mas não sem antes ouvirem um burburinho que vinha do bloco B, o barulho das janelas abrindo e outras fechando, movimentou o condomínio todo.

Voltaram com uma cortina grande, tipo Blackout, nada poderia ser visto dentro do apartamento, a festa acabaria no próximo dia. Marcaram com o instalador para o dia seguinte. Instalaram o suporte e a barra, colocaram as cortinas nas laterais, testaram rapidamente e deixaram-na aberta. Simone chegou, foi ao quarto e como de costume tirou a roupa, mas mais uma vez não apareceu. Dessa vez foi Rafael, saiu completamente pelado, fazendo helicóptero e jogando as duas mãos pra cima, tudo isso em frente a janela.

Olhou em direção dos vizinhos do bloco B, e percebeu a cara de nojo de todos. O mais engraçado foi o Sr. Leonardo que estava preparado com seu binóculo direcionado para Rafael e que com a velocidade de um atleta jogou-se ao chão e deixando o seu brinquedo cair pela janela.

Rafael voltou ao quarto, vestiu-se, foi até a janela, acenou como uma miss e a fechou. O casal riu muito da situação. Nos outros dias Rafael é que percebia os olhares diferentes, todos o olhavam, a notícia corria rápido naquele condomínio. Simone já havia sido esquecida pelos vizinhos, a assanhada havia se dissipado com a vinda da cortina, tudo voltou ao normal para ela.

Alguns dias depois do ocorrido, Rafael e Simone chegaram a seu prédio após um longo dia de trabalho, abriram a caixinha de correio e pegaram as correspondências. Chegaram em casa começaram o processo normal e diário. Rafael soltou as chaves, a carteira, o celular e os óculos na escrivaninha, Simone foi até o quarto e voltou nua como sempre.

Sentaram-se no sofá da sala e enquanto ela procurava um canal na televisão, ele começou a ler as correspondências. Uma delas era estranha, um envelope sem nome, completamente branco. Ele abriu, havia um bilhete escrito:

"Oi vizinho, que saudade, quando fará o show novamente? Meu binóculo caiu e quebrou, mas acabei de comprar o mais completo equipamento para te ver por completo e sem medo.

Muitos beijos!!!

Leonardo, o assanhado do 704 B."