A pedra

Era mais uma daquelas cólicas de rim. Nos últimos sete anos tenho sido atormentado, com certa frequência, por essa dor, que é considerada entre as dores físicas mais intensas que o ser humano pode sentir. A primeira vez, eu era adolescente. Acordei no meio da noite com uma dor que parecia mais uma facada nas costas, na altura de onde se situa o rim direito. Fui para no pronto-socorro naquela madrugada, e uma boa injeção de buscopan deu jeito naquele dia. Desde então, com maior ou menor intensidade, a dor sempre volta. É claro que as cólicas vinham com mais intensidade no dia seguinte a algum porre de vodca. E aquele era um dia desses. Já completava quase dois meses que, eu e minha namorada na época, juntamos nossas coisas e decidimos morar juntos. E aquela era a primeira vez que ela presenciava uma cólica dessas.

-Amor, o que posso fazer pra ajudar?

-Nada, infelizmente nada. O médico disse que agora é questão de tempo, até expelir a pedra.

Eu fui fazendo exames ao longo desses anos. Foram cinco anos para o cálculo se deslocar do rim até a bexiga, e mais dois até ele chegar a uretra. Pelos sete infernos, como aquilo doía. O médico tinha recomendado também que eu mijasse em um recipiente, quando sentisse que a pedra estava pra sair, pois assim poderíamos analisar depois, e concluir se era pelo tipo de alimentação, ou qualquer outro fator que pudesse influenciar a formação do cálculo.

Às nove da manhã, eu já havia tomado mais de dois litros de água, pra ver se ajudava em alguma coisa, e pra que eu expelisse logo e acabasse com aquela dor. Quando foi perto das onze, finalmente saiu. Eu estava mijando em um balde, quando senti uma pontada mais forte, muito mais forte. Achei que fosse desmaiar de dor. Ouvi um barulho de algo batendo no balde, com certa força. Quando me recuperei vi que era uma pequena pedra.

-Amor! Saiu! Finalmente saiu!

-Sério? - ela veio correndo até o banheiro - Nossa! Isso ai saiu de você? É do tamanho de um feijão!

-Você não imagina a dor. Finalmente acabou.

Eu precisava de um banho pra relaxar. E de um café. Talvez uma bebida. Eu mal podia acreditar que aquilo tinha saído por um orifício tão pequeno. Liguei pra minha mãe, meio eufórico até, pra dar a notícia. Ela se preocupou, com a dor principalmente, pois ela já havia expelido algumas ao longo da vida. Um dos médicos que me examinou, suspeitava que essa predisposição a formação de cálculos podia ser uma herança genética, da minha mãe, ou do meu pai.

Resolvemos ir comer no shopping. Eu realmente não estava afim de cozinhar, e outra, era algo digno de ser comemorado, né? Depois de sete longos anos passando por essas malditas dores, acho que eu merecia um certo agrado.

-Bebê, acho que precisamos de um cachorro em casa. O que acha? - Ela me perguntou, enquanto almoçávamos.

-Hum... não sei amor. Cachorro no apê?

-Ah... mas a gente arruma um pequeno. Não faz tanta sujeira, e ai a gente acaba ficando na obrigação de levar ele pra passear, e assim aproveita pra sempre fazer uma caminhada e sair um pouco de dentro de casa, né?

-A ideia parece boa. Vamos analisar.

É impressionante como essas comidas de praça de alimentação sempre tem o mesmo gosto. Mas, apesar disso, foi uma tarde agradável. Estávamos juntos a algum tempo já, e essa experiência de morar junto ainda não tinha caído muito bem nas nossas graças. Mas eu achava que era importante tentar. Digo, a gente nunca sabe se vai mesmo dar certo ou não. Você não imagina mais sua vida de uma outra forma. Todo o futuro que você planeja a partir daquele momento, a pessoa sempre vai estar no planejamento. É muito comum isso. E depois quando acaba, a gente demora um certo tempo pra voltar a realidade.

Resolvemos dar uma volta, ali no shopping mesmo. Depois de andarmos um tempo, nos deparamos com um pet shop. entramos pra ver os filhotes.

-Olha amor! Que coisinha mais fofa esse! - Disse ela pegando um filhote preto e branco.

-Fofinho!

Nesse mesmo momento, uma mulher de meia idade passou por nós, dentro da loja, e se dirigiu ao outro filhote que sobrou. Ela pegou o filhote, como se ele fosse um alienígena, olhou por todos os lados, e quando olhou nos olhos do bichinho, ela soltou-o desajeitadamente na gaiola, soltando um barulhento grito.

-Credo, esse aqui está com defeito.

-Defeito? E por isso você acha que pode jogá-lo assim? - Respondi com firmeza.

-Sim, ele é vesgo!

-Defeito tem você, sua doida varrida. onde já se viu, jogar um cachorro dessa forma. Defeito quem tem é você.

A mulher ficou bem assustada, confesso. Aliás, a loja toda ficou. Quem ela pensava que era para tratar um animal daquela forma? Vivemos em uma sociedade dita evoluída tecnologicamente, mas quando se trata de vida em comunidade, ainda temos o pensamento de um padre da idade das trevas. Acho que me irritei mais também pela dor que ainda ia e vinha com intervalos regulares, mas cada vez com menor intensidade.

Resolvemos levar o filhote branco e preto. Seu nome seria Elvis. Ele era adorável, carinhoso e brincalhão. Na época, ele me escolheu como seu dono. Estávamos felizes, estávamos começando nossa família e o destino parecia promissor para nós três. Apenas parecia.

Márcio Filho
Enviado por Márcio Filho em 02/02/2017
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