A Quadratura do Círculo-cap. 33

Que situação; tornam-se mais raros aqueles com quem dialogar; já não são muitos; Apolônio está fora, por sua insuportável autoajuda; Poliedro está no manicômio , Paloma está em outra; tenho Rafaela, que balança afirmativamente diante de tudo que digo; restou...não, o professor Avogadro! E lá vinha ele; me viu sair; era a única pessoa que o aguentava:

- Meu amigo, tenho umas coisas importantes para falar com você- e já ia me puxando pelo braço- terminei minha teoria sobre a harmonia universal!

Não tinha outro jeito, teria que dialogar com ; dialogar? Já disse que era daqueles que falam, falam, e não ouvem. Sentamos no boteco, e lá vinha ovo colorido de novo! Ele tinha uns cabelos revoltos e uma barbicha rala, mal aparada , que escondia os dentes amarelos; quando bebia um gole, um pouco resvalava na barba. Imaginava como deveria ser ele tomando sopa! Cômico!

-Mas então o todo e suas partes e a harmonia universal perturbada pelo dispêndio de energia cinética...

Falei-lhe sobre a Quadratura do Círculo, a que Apolônio se referia; ele não ouvia o que dizia; queria falar, mas... parece que lhe chamou a atenção por um instante:

-Quadratura...do círculo? Os antigos já tentaram essa fórmula...nunca conseguiram!

Então peguei um pedaço de papel e desenhei o quadrado inscrito em um círculo. Tinha orgulho de minha descoberta, mas ele não se abalou:

- Não, as áreas não são equivalentes; pode tentar; nunca se chega a uma área equivalente à do círculo.

Pronto, minha teoria tinha ido por água abaixo , mesmo porque ele era alguém muito mais instruído que o Apolônio; deveria ter razão. Aquilo me arrasou, mas, na verdade o mundo não caminha para a perfeição, para a harmonia; enganaram você se disseram isso; as pessoas não se tornam mais humanas, antes pioram com o tempo, ou serão como sempre foram, com mais rugas e rabugentas. Por isso abomino toda a autoajuda; é uma trapaça que vai enriquecer alguns... O mundo não é bonito? Fazer o quê? A questão é ir vivendo, como puder, aos trancos e barrancos. Estou sendo pessimista? Mas estou voltando à realidade; talvez palavras bonitas consolem algumas moças e crianças, mas não sou nenhum deles. O que nos resta? O “humour”, como disse Drummond, certa vez. A vida é a vida; o tempo é inexorável e, não vai fazer as pessoas mais bonitas ou melhores por sua causa. Mas o Millôr disse certa vez: “essa confusão a que chamamos de vida vale a pena”. E continuo achando que vale, sem ilusões; aqui e ali, alguma coisa bela que faz tudo o que era ruim ser superado por um único momento sublime. É assim que devemos caminhar, vivendo.