Rua Torta

Estava melancólico. Ele não conseguia mais voar. Suas asas tinham sido quebradas. Fora uma dor aguda e quase incessante. Seus olhos não possuíam mais o brilho de sempre. Sentia como se fosse um pássaro em queda livre, apenas esperando a colisão com a realidade. Não conseguia sorrir, pois não havia motivo.

Foi então que caminhou ao ar livre na rua torta. Era o único a caminhar por aqueles paralelepípedos mal feitos. Não fazia a mínima ideia de onde estariam as pessoas. Talvez em suas casas. Talvez em suas ocupações. Não importava. Ele sentia falta da diversão nas calçadas. As crianças brincavam na rua com a máxima simplicidade. Os mais velhos observavam a todos que passavam pelo local. O telejornal anunciava o aumento da inflação e os senhores praguejavam contra o governo. As viúvas apresentavam com orgulho os álbuns da família aos netos. Mas isso era passado.

A rua estava vazia. Ele pensou que todos teriam perdido suas asas. Deviam estar aprisionados nos piores desejos humanos. Não havia mais amor na rua torta. Ele apressou o passo para ir embora daquele lugar. Estava ficando sufocado, mas a rua parecia não ter fim. Era como se andasse em círculos.

"Estão todos mortos", pensou. "Ninguém queria mais voar". Sentiu a dor de suas asas.

"Vou morrer como eles, se já não estiver morto". Percebeu a presença de uma criança na rua. Era magra e pálida: uma garota de cabelos bagunçados. Segurava uma pequena vasilha de alumínio com algumas moedas. Talvez não lhe pagasse o almoço.

Ambos se entreolharam fixamente. Seus olhos traziam algo incômodo para ele, talvez um sofrimento, uma vida difícil ou quem sabe, uma morte. Não tinha chinelos, mas também não parecia se incomodar com isso. Ele não sabia quanto tempo passaram se olhando, mas a garota agora sorria para ele. Ela desviou o olhar e pegou uma pequena boneca de algum tecido velho. Começou a brincar. Estava tão animada que falava sozinha: palavras inocentes e puras que ninguém da rua conseguiria pronunciar. Ela não tinha nada, mas com o nada fez o tudo.

Ela conseguira arrancar-lhe o sorriso. Um sorriso estranho, anormal. Há quanto tempo não fazia isso! Era incapaz de contrair os lábios. Mesmo que pusesse toda a sua vontade nisso. Ele possuía muitos amigos, mas ela, poucos ou nenhum e ainda assim possuía alegria suficiente para sorrir. Sentiu que suas asas já não doíam mais.

Não conseguia lembrar como elas haviam sido quebradas, mas sentia-se novo, com um pequeno rastro de esperança. O pássaro sentiu vontade de voar. E tentou.

Mas a rua não conseguiu desentortar. Eles não olhavam para a garota, por isso continuavam na podridão de suas vidas. Ele fechou os olhos com calma e continuou o caminho. Dessa vez, nada sentiu, mas foi sem saber para onde ir.