A COSTUREIRA
A COSTUREIRA
Já não sabia se queria ficar naquele lar, naquela família que
outrora, ajudou a construir. Não precisava mais preocupar-se
com os filhos, pois os três que dera à luz, dois homens e uma
mulher, já os tinha criado e educado. Todos já tinham a sua
graduação profissional. Se tivesse que repartir os bens, não
haveria problema. Tinham duas casas. Cada um ficaria com
uma. O marido podia até escolher com qual ficaria. Ela não
se importava. Queria mesmo era ir embora, sair daquele
convívio familiar que não mais lhe agradava.
Com quinze anos, adolescente ingênua, foi dada pelos pais
a um homem, que mau o conheceu antes de se casar. Não
chegou nem a completar o ensino fundamental. O marido
ganhava a vida como pedreiro. E ela como costureira.
Trabalhavam duro pra criar e educar os filhos. Não quiseram
estudar, mas investiram no futuro deles. Os cinco primeiros
anos de casados, moraram em casa de aluguel. Depois, aos
poucos, compraram dois terrenos, um de cada vez. Como o marido
era pedreiro, não precisou pagar mão de obra. E foi assim que,
comprando o material com o suor de suas profissões, puderam, ao
longo de dez anos, construírem as duas casas. Em uma, eles
moravam. E a outra, estava sempre disponível pra alugar.
O tempo passou. Contavam trinta anos de casados. Mulher
honesta, de fibra, vivia pro marido e pra família. Quase não
saía, envolvida nos afazeres domésticos, cuidando do marido,
dos filhos, e de sua responsabilidade profissional. Às vezes, ia na
casa de um ou outro vizinho mais íntimo, pra interagir num
papo saudável. Ou então, eventualmente, ia visitar algum
parente. E só. Por outro lado, a casa deles era frequentada por
muita gente, tanto da parte dela, quanto dele, e o motivo,
claro, era a busca dos serviços que ambos prestavam.
Não fora um casamento, como se costuma dizer, por amor!
Aquele matrimônio idealizado nos sonhos de qualquer menina
ou adolescente que pensava um dia, em ter o seu príncipe
encantado! Não tivera tempo pra namorar, noivar e casar. Fora
entregue ao futuro marido pelos pais, mais como uma
mercadoria qualquer sem direito à escolha, do que como um
ser humano dotado de razão e sentimentos. Com o tempo,
aprendeu a gostar dele, afinal, era honesto e
trabalhador. Ocupada até tarde da noite pra dá conta dos
serviços, percebia que o marido também chegava bem tarde, em
alta madrugada, durante duas ou três vezes por semana, e não
entendia porque isso lhe ocorria.
No início, não se importou, mas com o tempo, aquela situação
passou a ser uma rotina na vida do marido. Até se aconselhou
com os filhos, que lhe disseram achar estranho, mas era ela quem
tinha que decidir tirar a limpo aquela situação incômoda que a
fazia, inclusive, não dormir as poucas horas da noite disponível pra
seu repouso, de tanta preocupação, ficando acordada até o alvorecer
do dia, quando, após passar a noite em claro, tinha que se
levantar pra cuidar da casa e continuar na rotina do seu ofício
diário.
Moravam numa cidade de porte médio. As duas casas se
localizavam em bairros periféricos distantes um do outro. Ela só ia
na casa alugada, quando esta se esvaziava. Ia com o marido,
verificar se o inquilino a conservou ou a deixou danificada.
Geralmente, ela não se ocupava em receber os aluguéis.
Quem recebia era o marido, indo no imóvel, a não ser, quando ele
adoecia. Aí ela teria que ir. Também ocorria do inquilino vim pagá-
los.
Todas as vezes que ela lhe perguntava sobre aquelas chegadas
tardias em casa, ele desconversava, pedindo que ela não se
preocupasse, que eram apenas pequenos entraves ligados à
profissão. Ela se calava, mas não se conformava. Tinha quase
certeza que havia algo de errado. Haveria de descobrir. A casa
já estava alugada há dez anos. Durante esse tempo, só três
inquilinos a alugaram. E o atual morava nela há cinco anos.
Só sabia que era uma mulher, por causa da assinatura no recibo.
Todos os meses ele chegava pontualmente com o recibo assinado
por ela e o dinheiro do aluguel junto. A cada ano de renovação
do contrato, ela lhe perguntava sobre o estado da casa, e ele lhe
dizia que estava em bom estado, precisando apenas renovar a
pintura. Ela se despreocupava. Se admirava, porque jamais vira
inquilina tão boa.
Não a conhecia. E achava que nem precisava conhecê-la. Pra
quê, se era pontual no pagamento. Não poderia haver prova
maior. Certo dia, o marido, que dificilmente saía pra trabalhar
fora da cidade, lhe dissera que se ocuparia com uma obra em
outra cidade um pouco distante dali, que duraria pelo menos,
sessenta dias, mas que a cada quinze dias viria em casa no fim
de semana. No primeiro mes, tudo normal, ele veio em casa
duas vezes. Porém, quando viajou na primeira semana da segunda
e última quinzena de término do serviço, ela recebera em casa,
uma visita inesperada.
Uma mulher, muito nervosa, chegara com um bilhete pra ser
entregue ao proprietário da casa alugada.
- Só pode ser entregue a ele?
- Sim.
- Ele está viajando a serviço e só chega no final de semana.
- Eu sou a esposa dele. Se é tão urgente, posso ler o bilhete pra
tentar resolver.
- Não é pra entregar a senhora, mas é urgente mesmo. Tome
o bilhete, e seja o que Deus quiser.
A dona da casa leu o bilhete e se surpreendeu: " Meu amor,
tomei um escorregão no quintal e a bolsa pocou. Venha logo
que o nosso filho tá nascendo. "
Olhando pra mulher, extasiada, lhe indagou:
- Quer dizer que a inquilina está parindo um filho do meu
marido?
- Não sei de nada, dona. Mas ela tá parindo sim. Sou vizinha
dela. Me pediu pra vim aqui com urgência.
- Não acredito no que está acontecendo. Mas agora, sim,
parece que tudo tem sentido. Tudo se explica a partir dessa
revelação surpreendente.
- Então, dona, vamos logo, não temos tempo a perder.
Em seguida, a dona da casa ligou pra ambulância, que chegou
na casa ainda em tempo de levar a parturiente pro hospital,
que dera à luz a um bebê saudável do sexo masculino.
Dias depois quando o marido chegou, a esposa já o esperava,
tão magoada quanto ansiosa.
- Então, concluiu o serviço?
- Sim.
- Coisas importantes, pelo menos pra você, aconteceram por
aqui nesses dias...
- Como assim?
- Prestei ajuda à inquilina, cuja bolsa pocou de repente, e o
filho de vocês nasceu...
- Como você soube disso?
- Não importa. Vá visitá-la. Melhor dizendo: vá ficar com ela definitivamente. Ela
já está em casa. Está tudo bem com ela e o bebê.
O marido ficou ali, extasiado, sem saber o que dizer à esposa.
- Mas ela lhe disse: de hoje em diante, você não precisa mais se preocupar em
chegar tarde em casa. Não mais precisa pagar o aluguel de sua
própria casa. Quem vai embora daqui de casa, não sou eu, é
você. Ah, outra coisa: eu quero o divórcio!
Já havia anoitecido. Depois de arrumar as malas, o marido,
ou melhor, ex-marido, saiu cabisbaixo e envergonhado, sem
se despedir daquela, que dali pra frente, deixaria de ser a sua esposa.
Escritor Adilson Fontoura
e-mail: aafontoura@hotmail.com.br
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