Apê à venda

A tarde estava tão quente, que pareciam três sóis, ao invés de um. E isso só piorava aquela segunda-feira. Nas segundas tudo sempre parece pior. Eu precisava ir a uma casa lotérica, pagar umas contas, e quem sabe tentar a sorte na loteria. Mesmo com esse clima de que tudo se estraga na segunda-feira, valeria a pena tentar. O sonho de enriquecer repentinamente assombra a vida de todos nós, e isso é praticamente inegável. Enquanto eu me apoiava no balcão, observando os resultados de jogos anteriores, e analisando as possibilidades, ela me abordou.

-Moço, me desculpa. Mas você poderia me explicar como funciona esse jogo? - disse ela com um sorriso que beirava a malícia.

-Sim, claro.

Claro que ao longo da explicação, eu aproveitei para medi-la. Beleza natural, cabelos pretos e longos, presos no alto da cabeça em um rabo de cavalo, um vestido branco exalando um pouco de frescor em meio a todo aquele calor. Um belo par de pernas, uma cintura forte e seios fartos. Achei que a história da loteria estava começando a valer a pena.

-Uma vez eu apostei em um bolão desses- disse ela ajeitando uns folhetos de jogos, fingindo estar um pouco embaraçada - mas dei o bilhete a uma amiga, achando que não daria em nada, mas ela acabou ganhando. Mas foi mixaria.

-Ah sim...

Bom, eu realmente não sabia o que falar. nunca fui abordado numa lotérica antes. Ela se despediu cordialmente, e agradeceu pela atenção. Voltei-me aos jogos, ainda sem entender muito bem o que havia acabado de acontecer. Nem acompanhei para que lado ela fora. Paguei os jogos, e me dirigi ao carro. Quando dei partida, notei que tinha um carro parado, bloqueando minha saída. Era ela. Hesitei em abordá-la. Pensei em buzinar. Pensei em esperar. Pensei. E pensei. Quando dei por mim ela estava me vendo pelo retrovisor. Deu um sorriso, e foi embora. Achei que aquilo era uma resposta do universo, afinal é super normal ser abordado numa casa lotérica, não é?

Engatei a ré, liguei o som e tentei esquecer tudo aquilo. Eu precisava ir pra casa e fugir daquele calor. Segui direto pela avenida, e quando virei a esquina, lá estava ela, dirigindo a minha frente, calmamente. Fiquei em dúvida se acenava, mas nada fiz. Ela reduziu, pegou uma entrada próxima ao meu prédio. eu segui, e, enquanto entrava com meu carro, vi que ela ficou me observando. Não entendi nada daquilo. Acho que nem fiz muita questão de entender também. O calor me desnorteia. Entrei em casa, liguei o ar condicionado, e fui pra varanda fumar. Como não havia nada muito mais interessante para se fazer numa segunda, bebi até dormir.

No outro dia, ao voltar do trabalho para casa na hora do almoço, ela estava na frente do meu bloco.

-Oi moço, tudo bem? Eu vim conhecer o apartamento que está a venda no primeiro andar, mas não tem ninguém lá.

-Sim, a dona está viajando.

-Ah, que pena. Queria tanto ver um apartamento desse por dentro. Posso ver o seu?

-Sim... claro! - Respondi meio encabulado.

Ela estava irresistível. Seu perfume era sentido a metros de distância. O cabelo solto e bem escovado, uma roupa que marcava suavemente seu corpo, em cima de um enorme salto. Subimos para o meu apê. Me desculpei pela bagunça, afinal, qual a vantagem de se morar sozinho, se não se pode deixar a casa bagunçada? Ela foi olhando os cômodos, enquanto eu fui abrir algumas janelas para refrescar. Abri a janela do meu quarto por último, e me deitei na cama, para esperar a reação dela quando entrasse no quarto. Ela entrou, me viu ali, sorriu, e saiu de volta para sala. Segui-a.

-É bem aconchegante aqui - disse ela tentando quebrar o gelo.

-Sim. Mas já moro aqui tem bastante tempo. Enjoei de apartamento. acho que é hora de me mudar para uma casa.

-Entendo. Bom, eu vou indo. Muito obrigado por me deixar ver aqui.

-Tudo bem, te acompanho até a porta.

Ela se foi. E eu fiquei pensando em tudo que podia ter feito. Ou não. Fui pro banho, precisava voltar ao trabalho. Eu nunca saberia como agir em uma situação dessas. Eu tenho quase que um namoro, digamos. Ela mora longe. E se isso fosse um teste? Como eu teria me saído? Ou seria apenas coincidência? Terminei meu banho, me vesti e saí. Chegando no meu carro, havia um bilhete no para brisa. Tinha um número de telefone, e escrito bem grande APARTAMENTO À VENDA. Fiquei uns dois minutos olhando para o bilhete. Rasguei e joguei na lixeira. A vida seguia seu rumo normalmente, e eu devia seguir junto.

Uns dois dias depois, eu estava em casa com um amigo. Estávamos compondo algo. A campainha tocou. Era ela novamente.

-Oi, tudo bem? Olha me desculpa. Mas eu deixei meu telefone no seu carro, esperava que você me avisasse quando a dona do apê chegasse.

-Oi, tudo sim. Bom, eu não achei telefone nenhum - respondi em tom um pouco firme - E não quero parecer grosseiro, mas estou com visita aqui, e estamos um pouco ocupados.

-Ah sim, tudo bem. Desculpa o incômodo.

-Por nada...

Confesso que aquilo estava ficando estranho. Fechei a porta, voltei pro sofá e acendi um cigarro. Precisava espairecer sobre aquilo. Até onde iria aquilo tudo? Eu já estava ficando tentado. Ao falar com ela na porta, não pude deixar de perceber que, depois da primeira vez que nos vimos, ela vinha se arrumando e se produzindo mais e mais. Dessa última vez, ela apelara para um exuberante decote, que deixava aquele belo par de seios em evidência. Se a intenção dela era me seduzir, estava funcionando, e muito bem. Mas eu precisava me manter firme. E se fosse realmente um teste?

No sábado, acordei mais tarde do que de costume. Resolvi que precisava arrumar a casa. Liguei um som, e fui ajeitar as coisas. Logo após o almoço, a campainha tocou novamente. E era ela novamente.

-Olha, me desculpa. Estou super sem graça de ficar te incomodando.

-Tudo bem. Entre.

-É que eu me lembrei que tinha esquecido de perguntar sobre a vizinhança.

-Fique a vontade. Sente-se.

Sentei-me no sofá, de frente pra ela. Eu estava sem camisa, com short bem folgado. Fiquei fitando seus olhos. Ela não parecia nem um pouco embaraçada. Começava a cair um temporal.

-E então - ela quebrou o silêncio - como é a vizinhança por aqui?

-Bom, não tenho muito do que reclamar. com exceção dos vizinhos aqui de baixo. Criam problemas por qualquer coisa. Mas de modo geral é bom.

-Entendi.

-Minha namorada, quando vem pra cá, adora.

Percebi que até então, eu nunca tinha usado o termo "minha namorada". Acho que fiquei mais chocado do que ela. Ela apenas sorriu, mediu meu corpo de alto a baixo, e se levantou para sair.

-Bom, mais uma vez. Muito obrigado - disse ela esperando próximo a porta de saída.

-Por nada, mais uma vez. Te acompanho até a saída.

Quando abri a porta, ela começou a sair, e parou para olhar a chuva. Eu não me aguentei. Quase que inconscientemente, minhas mãos agarraram aquele enorme rabo. Ela ficou parada, olhou pra mim com um sorriso malicioso, tirou minha mão delicadamente, e começou a descer as escadas. Desci com ela. Durante a descida agarrei-a de novo, e ela apenas parou e ficou ali, gemendo baixinho enquanto eu passava minha boca pelo seu pescoço, e a agarrava pela cintura. Descemos mais um lance de escadas. E de novo a mesma cena, só que com mais intensidade da minha parte.

-Vamos subir- eu disse a ela

-Acho melhor não, sua namorada não merece isso.

Ficamos ali. Nos esfregamos, nos apertamos, nos cheiramos, e só. Mais nada. Nem nos beijamos. De fato, minha namorada não merecia mesmo. Mas ela não esboçou nenhuma reação para que eu parasse de agarrá-la. Chegamos a saída do bloco, e a chuva estava começando a diminuir.

-Acho melhor você nunca mais voltar aqui - eu disse a ela

-Também acho.

-Pode ser perigoso, se houver uma outra vez.

Ela se foi. Subi para o meu apê. Precisava esquecer aquilo.

Márcio Filho
Enviado por Márcio Filho em 25/01/2017
Reeditado em 01/02/2017
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