950-ESCRAVOS, COLONOS E FAZENDEIROS-Vovó Bia conta

Vovó Bia conta A HISTÓRIA DA Fazenda Palmital

Hora do almoço de um dia qualquer na Fazenda Palmital. Dia frio de julho e todos estão agasalhados. Vovô Aníbal chega esfregando as mãos, Tio Alpineu Estala a língua ao tomar o último gole de aperitivo. Sentam-se todos e são sete à mesa: vovô Aníbal, vovó Beatriz, Tio Alpineu, Dorinha, Tavinho e Carlinhos, filhos de tio Alpineu e tia Elvira, que ainda está trazendo algumas panelas e travessas do fogão para a mesa.

— Hummmm. Que cheiro bom! Que é isto, mamãe?

— É palmito com carne e molho de tomate, Dorinha.

— Gosto muito de palmito. — Diz vovô. — Foi aqui que aprendi a comer palmito, antes nunca tinha provado.

Adultos e crianças conversam animadamente, enquanto comem.

— Foi nossa primeira “variedade” quando chegamos. Era arroz, feijão, palmito com isso, palmito com aquilo. Quase enjoei de tanto comer palmito. — Vovó Bia lembra com certa nostalgia.

— Pudera! Era só palmito por esses campos afora. Um grande palmital.

— É por isso que a fazenda tem este nome? — Pergunta Carlinhos.

— Sim. Batizei a fazenda logo que cheguei: Fazenda Palmital.

— Mas porque agora só existem aqueles pés perto do açude? – Dorinha mostra interesse no assunto.

— Porque tivemos que limpar a terra pra plantar café. — Explicou vovô. — As terras com os palmitos são as melhores, onde o café cresce mais depressa.

— Então o senhor e a vovó comeram tudo quanto era palmito? — Tavinho faz perguntas engraçadas, de acordo com sua idade: só tem nove anos.

— Claro que não, Tavinho. Quando começamos a limpar o terreno, vinha muita gente pegar palmito. Até que o Neco Verdureiro veio com sua charrete ofereceu para comprar os palmitos. Ele encheu a charrete e vendeu na cidade. Depois, toda semana, ele vinha pegar os palmitos. Te que foi um bom negócio prá mim e prá ele. — Vovô explicava com uma paciência e detalhes; se lhe perguntassem, ele se lembraria até do valor da venda de cada charrete de palmito.

Dorinha, que tem doze anos e está na quarta série do curso primário, quer saber mais. E pergunta:

— Mas isso já faz tempo que aconteceu, não é?

— Sim, Dorinha, já lá se vão mais de cinquenta anos.

— Vovó, a senhora contou muitas histórias da senhora e do vovô. Me lembro que o vovô foi trabalhar numa fazenda, não tinha nada de lá, fugiu e casou-se com a senhora. Como é que ele comprou a fazenda?

— Há! Mas esta é uma história muito comprida. Vamos acabar de almoçar, que eu conto prá vocês mais tarde.

— Conta hoje?

— Sim, a gente acaba de almoçar, eu ajudo a Elvira a lavar os pratos, os talheres e as panelas, e aí vou contar tudo direitinho prá vocês.

>< >< ><

Terminado o almoço, Dorinha, Tavinho e Carlinhos foram prá frente da casa e fiaram esperando a avó, brincando entre os dois grandes canteiros de flores. Quando Vovó Bia apareceu no alto do alpendre, os três correram, subindo a escada de dois em dois degraus e logo se sentaram no chão, esperando que vovó Bia lhes contasse mais uma história, desta vez envolvendo a fazenda e suas origens.

—Onde paramos? — Pergunta a suave velhinha, assentando-se entre as almofadas do aconchegante sofá de vime, limpando e colocando os óculos. Põe sobre pernas a cesta de tricô e começa a tricotar.

— Na história da fazenda.

— Ah, sim. Vocês querem saber como que o vovô comprou a fazenda, se não tinha nada. Quando nós chegamos da Itália, a gente não tinha nada, de verdade. Mas lá na nossa terra, a gente estava acostumada a trabalhar muito, a vida era muito dura. E quando chegamos nesta nova terra, aplicamos o que sabíamos fazer: trabalhar. Os trabalhadores italianos que foram para as fazendas eram chamados de colonos e tinham de cuidar de uns tantos mil pé de café, como obrigação, para receber o ordenado. Era uma condição quase semelhante aos escravos, que tinham sido libertados pela Princesa Izabel. Mas eles podiam plantar no meio dos cafezais arroz, milho, feijão, abóbora outras coisas, que lhes asseguravam alimentação e que dava para vender um pouco. Quem tinha família maior, com mais gente para ajudar nas lavouras, ajustava com o dono das terras um plantio numa gleba separada, de arroz ou feijão e...

— Gleba? Que é isso, vovó

— É um pedaço pequeno de terra, próprio para cultura. – Vovó Bia explicava com paciência.

— Então, os colonos iam plantando, vendendo um pouco do que sobrava, e iam economizando. Um dia, não devendo mais a conta do armazém do proprietário, onde eram obrigados a comprar as mercadorias, os colonos podiam deixar a fazenda. Estavam livres. E tinham algum dinheirinho, que aplicavam comprando terra. Plantando em terra própria, trabalhando muito, de sol a sol, iam economizando cada vez mais, e compravam mais terra. De forma que depois de muitos anos de trabalho, eles tinham sítios, chácaras, pequenas fazendas, adquiridos com o suor do rosto.

— Então foi assim que vovô comprou esta fazenda?

— Sim. Ele comprou as terras, sem nenhuma casa, nem cerca, nem nada. Nos primeiros tempos foi duro, teve que pedir dinheiro emprestado para outros italianos que já estavam bem melhor de vida. Eles se ajudavam, uns aos outros. Seu avô descobriu que em uns barrancos havia terra boa para fazer tijolos, e instalou uma pequena olaria. Isto ajudou a pagar a dívida e ele aumentou a produção de tijolos.

— E esta casa, não existia?

— Não existia nada. A gente morou algum tempo numa casinha muito pequena, feita de pau-a-pique, que hoje não existe mais.

— Casa de pau-a-pique? Como é que era?

— Era uma casa de paredes de troncos de palmito e barro. Vocês já viram as figuras da história do Jeca Tatú? Pois a casinha nossa era igual à dele: paredes de barro e coberta por folhas de palmeira, entrelaçadas com capim seco.

— Nossa Senhora, vovó! Era muito frio lá dentro, não era?

— No tempo do frio, era sim. O fogão ficava aceso a noite inteira, prá esquentar os cômodos.

— E depois?

— Bom, plantar café é um negócio bom prá quem tem terra. Foi que seu avô fez. Encheu a fazenda de café.

— E acabou com os palmitos! — Exclamou Dorinha. — Que Pena!

— Tinha de ser, Dorinha. Não podia ter palmitos e café juntos, na mesma gleba.

— E a casa?

— A olaria produzia tijolos prá vender e ainda deu para construir esta casa. Com as colheitas de café, seu avô foi melhorando e aumentando e hoje vivemos nesta grande casa.

— Graças aos tijolos e ao café! – gritou Zezinho, querendo dar uma de sabichão.

Vovó o corrigiu na hora:

— Graças ao trabalho e a economia de seu avô.

E vovô Aníbal, que a tudo ouvia em silêncio, sentado no outro sofá, arrematou:

— E graças à ajuda da vovó de vocês. Sem ela, eu não teria nada.

As crianças entraram no clima de entusiasmo do avô e gritaram:

— Viva a vovó! Viva a Vovó!

— E Viva a Fazenda Palmital! – concluiu a doce velhinha.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 13 de maio de 2016

Conto # 950 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/01/2017
Reeditado em 25/01/2017
Código do texto: T5892329
Classificação de conteúdo: seguro