OS ANJOS PREGARAM UMA PEÇA

Quarta feira, 27 de janeiro de 2014, dia começando ensolarado, abafado, 34 graus, sensação térmico de 139, normal em Porto Alegre nesta época do ano.

Acordei completamente suado, o sol em cima da cama. Levantei me sentindo meio sozinho, sem vontade e em silêncio, não havia luz elétrica desde a metade da noite, o ventilador estava desligado, percebi quando ele parou, o barulho de uma das hélices daquele aparelho importado (Paraguai) era estranho, parecido com o som das espadas do Star Wars e uma das “patas” era menor fazendo com que ele andasse pelo quarto. Fui em direção ao banheiro, parecia uma câmara de gás, vapor e calor estranhamente contrastado com banho gelado. Na cozinha acabou o gás, fiquei sem café. Estava completamente sozinho e as coisas continuaram a dar errado.

Aquele calor dava uma impressão óbvia que iria chover, o tempo foi se fechando e ficando mais abafado. Vesti uma calça de sarja preta e uma camisa polo xadrez, precisava estar bem apresentado nesse dia. Peguei meu guarda chuva e saí, duas quadras depois o tempo abriu, fazendo com que eu tivesse que carregar aquele toldo gigante desnecessariamente.

Parei para tomar um refrigerante, mas lembrei de que não tinha dinheiro, o pouco que tinha era para o ônibus e o caminho era longo. No embarque, subi as escadas e torci meu pé de apoio, mais de cem quilos em cima de um tornozelo, lesionado na infância. Fui me arrastando no meio daquelas oitenta pessoas que se apertavam dentro do ônibus sem ar condicionado. Até aí parecem coisas normais, mas não para mim, meus anjos me acompanham e comigo isso não acontece. Mais um engano, acho que tiraram o dia de folga. Saí nesse dia para resolver alguns problemas (financeiros... Acho que não precisava ter dito), mas se arrependimento matasse...

Depois de uma hora e meia dentro do ônibus, toda viagem em pé e esmagado por desconhecidos, mas que se tornam íntimos de tão juntos que ficamos durante aquele tempo (Pense na situação de uma sardinha enlatada, agora coloque-se no lugar dela, pois é, assim que me sentia). Desci duas paradas a frente da que deveria, voltei caminhando até o prédio de destino, entrei, percebi uma placa na frente do elevador, o único, “em manutanção” .

Eu tinha que ir até o décimo sexto andar e ainda arrastava àquela dor no tornozelo. Mas o compromisso era inadiável, então respirei fundo e comecei aquela jornada de muitos degraus. Fui contando um a um, mas logo parei, era inútil. No segundo andar, o suor estava escorrendo e manchando completamente minha camisa, mas quem me esperava havia de entender minha péssima apresentação.

Pensei em desistir no quarto andar, mas tudo mudou quando recebi um incentivo motivacional, uma senhora de uns setenta anos me ultrapassou, com uma bengala em uma das mãos e uma sacola de supermercado na outra. Percebi o olhar debochado, mas na verdade achei engraçado e fiquei um pouco envergonhado.

No sexto andar já não se escutava mais aquela senhora, ela era muito rápida... Ou eu muito lento. Segui minha solitária escalada até o topo (Estava me sentindo o Rocky Balboa subindo as escadas e pulando feliz com o sucesso), meu telefone tocou, pensei que teria uma companhia na minha longa caminhada. Atendi com um tradicional “Alô”, e o sinal caiu.

Teria como piorar? Esperava que não, coloquei o telefone na mochila, sim, eu carregava uma enorme e bem pesada, com noot book pré-histórico de uns dez quilos, alguns livros, agenda e mais uns cacarecos e ainda estava dando falta do guarda chuva, que com certeza ficou no ônibus.

Agora além de necessitar de muletas (ou a bengala daquela senhora atleta), pois meu pé estava completamente inchado, a dor nas costas já não estava mais deixando a tranquilidade reinar em meu corpo, mas naquele momento eu não desistiria mais. Fui cantarolando músicas que não sabia a letra e finalmente cheguei no tão esperado décimo sexto andar. Meu semblante molhado e escabelado foi o que eu vi no reflexo do vaso de flores enorme no final das escadas. Passei a camisa no rosto, a mão no cabelo, coloquei um sorriso grandão no rosto e fui em direção da porta e sonhando com aquele ar condicionado que estava ligado no turbo power abaixo dos dezesseis graus.

Avistei o corredor que ia em direção a sala, a tão sonhada sala. Eu estava tão molhado de suor que parecia que realmente havia chovido. Cheguei na porta 1665, uma placa escrito “ entre sem bater”, obedeci sem questionar. Levei a mão na maçaneta, forcei a porta e não abriu.

O desespero tomou conta da minha cabeça e veio uma grande vontade de chorar. Bati na porta, uma, duas, três vezes, mas ninguém respondeu. Respirei fundo virei as costas e voltei. Pensei que agora o elevador estaria consertado, mas foi mais uma ilusão, por onde eu vim eu voltarei. Segui o ditado de que “pra baixo todo santo ajuda” e desci. No começo fui devagar, mancando muito, depois mais devagar ainda e foi nesse momento que ainda no décimo quarto andar, percebi que a senhora que me ultrapassara na subida, estava repetindo a dose e mais uma vez me vencia e com o mesmo ar debochado estampado no rosto. Muito engraçado não é? Pra quem está lendo talvez, pra mim com certeza não.

Mas aquilo tudo era um incentivo a mais, acelerei tanto que nem uma tartaruga era capaz de me ultrapassar, tropecei no décimo, raspei a mão na parede no oitavo, mas nem olhava mais o numero do andar que estava, e quando percebi estava na garagem, ou seja, desci dois andares a mais. Subi mais uma vez.

Saí do prédio, estava um sol de rachar a tampa da cabeça, não havia nem um boteco próximo pra comprar água e também não adiantaria, não tinha dinheiro também. Tirei a mochila/mala/escritório que estava molhada em minhas costas e retirei o celular de um dos bolsos para saber que horas eram. Foi quando começou a apitar e tremer recebendo mensagens de ligações não atendidas, todas do mesmo número, que eu não conhecia.

Retornei a chamada e escutei:

_Alô!

Deparei-me com aquela voz rouca que não era estranha. Era o senhor Asdrubal, ele que me esperava no décimo sexto andar, ou era para estar lá, já nem sabia mais.

E ele completou:

_Meu amigo, estou em minha sala te esperando, estou tentando te ligar a algum tempo para dizer que mudei, estou na sala 1743 no décimo sétimo andar.

Comecei a rir com vontade de chorar. Na verdade correu uma ou duas lágrimas que se escondiam no meio do suor que corria em meu rosto, Mas sabia o quanto era importante falar com esse senhor. A vontade era de desistir, marcar outra data, sair gritando como um doido, mas simplesmente respondi:

_Estou chegando senhor Asdrubal.

Desliguei o telefone, coloquei a mochila/mala/escritório nas costas, xinguei mentalmente meus anjos e voltei a subir.