A ATENDENTE VIRTUAL
- Aló, aló!
O telefone mudo enervava mais ainda o pobre Raimundo. Há cerca de meia hora o desempregado tentava cancelar a cobrança indevida de um serviço de seu cartão de crédito. Mas não conseguia completar a sua ação. A décima tentativa foi mais desgastante. Antes de ser atendido por uma voz humana, o desempregado precisaria "dialogar" com 3 atendentes virtuais.
- O quê?. Não, minha senhora, não possuo cartão adicional. A minha esposa foi embora com o amante e agora moro sozinho. Nunca tive filhos. Olhe, sou um pobre pedreiro que vive de "biscaites". Ontem mesmo trabalhei na construção de uma parede. Hoje vou "levantar" um muro. Tenho esse celular de besta. Se pudesse não usaria, mas preciso dele e do cartão.
Raimundo desabafa para a máquina as suas agruras. Porém do outro lado da linha a máquina continuava o seu script.
- Aperte o 5 para elogiar, 6 para se conformar, 7 para desligar.
Raimundo continua o seu suplício:
-Não desligue não. A senhora não me conhece. Eu trabalho desde os 15 anos de idade. Nunca enganei ninguém e sempre paguei as minhas contas em dia. Olha para a minha cara de honestidade.
E a resposta da máquina:
- Opção incorreta. Disque pausadamente a opção desejada.
O pobre Raimundo começava novamente a saga de apertar botões. A pouca intimidade com os números lhe angustiava muito. Os seus dedos já estavam roxos de pressioná-los contra as teclas do telefone. Aí veio a musiquinha novamente.
- Atenção!. Renove o seu guarda roupa nas Lojas Maçantes. As únicas da cidade que vendem com qualidade.
Pronto!, Raimundo vociferou:
- Vá se fo.... Eu não quero saber da sua loja. Escute aí, moça!. O meu cartão tá me roubando. Quando coloco ele no meu bolso, o dinheiro "some". Comprei uma camisa para ir à missa de finados e veio cobrando uma tal de "anuidade". O que é isso?.
De súbito, a musiquinha é interrompida para a entrada da voz macia da atendente virtual.
- Se deseja os nossos seguros, aperte o 1, parcelamento de fatura, disque 2, limite do cartão, aperte o 3.
E assim foi até o número 9. As orelhas de Raimundo já estavam ardendo de tanto serem pressionadas. Após apertar o número 9, outra voz entra em cena.
- Se você é cliente, aperte 1, se não, disque 2, e se quiser desligar, aperte o 3.
- Não moça, eu quero falar com alguém daí. Avisa que eu quero falar urgente.
A atendente avisa de forma incisiva:
- Você precisa digitar a opção desejada.
- Aló, aló!.
Tú, tú, tú. A ligação caiu. Raimundo tentou ligar novamente quando ouviu a gravação:
- Os seus créditos acabaram. Faça uma recarga urgente.
Tú, tú, tú.
- Hã, socorro, arg!, slup. Bufo.
Raimundo morreu de infarto. Ao longe ainda se ouviu uma sirene:
- Uuuuuuuuuuu!