O HOMEM INVISÍVEL
Me chamem de João Pelegrino, no entanto, meu nome de batismo já não me importa. Para a sociedade nem ao menos sou um zero a esquerda. Não posso sequer me considerar um número a mais na estatística. Mas para as pessoas sou um cidadão invisível Sequer me notam,. Bem poucas são aquelas que percebem minha existência. Algumas notam-me mas seus olhares são de ódio e desprezo. Bem poucas são aquelas que se aproximam e quando o fazem percebo no olhar delas um misto de curiosidade mórbida ou nojo. Pouquíssimas são aquelas que realmente se importam comigo, exceto aqueles que ainda não tiveram o coração petrificado pela correria cotidiana, mas a maioria sequer se importam. Pisam, esbarram e passam por cima de mim sem o menor constrangimento. Uma minoria me vê com indiferença, como se a rua fosse um depósito humano, percebo isso no olhar, naquela fração de segundo onde sentem-se superiores por ter uma família ou lar. Os meus semelhantes nunca se importaram com essa condição. Muito pelo contrário, eles sempre tentaram se impor acima de mim exibindo seus bens materiais, suas esposas vadias maquiadas e seus carros em Nenhum destes jamais me perguntou porque estou neste lugar, qual a história que tenho para contar, o que tenho a dizer. Julgam-me. Dizem que sou um estorvo, uma pária que alguma puta brasileira pariu.Certa vez teve um certo indivíduo que praguejou alguma maledicência para mim, outro me deu um tapa no rosto e disse: -Vai trabalhar vagabundo. Convivo com isso diariamente, se já não fosse suficiente o bastante a minha luta contra as intempéries do clima debaixo de uma marquise. No calor me sinto como uma perereca na chapa, tentando encontrar um lugar fresco para dormir, isso quando a chuva não me molha e acelera o apodrecimento natural das minhas roupas puídas. O suor incomoda. O cheiro de suor com a pele suja torna as pessoas mais irritadiças. Pareço um morto vivo em certas ocasiões, o fedor sepulcral incomoda até a mim mesmo.No inverno a coisa piora, o sol demora para se erguer no céu e o frio faz cada músculo do meu corpo enrijecer, a noite é mais longa e um pedaço de papelão qualquer evita que eu morra congelado. Já vi muitos conhecidos meus morrerem dessa forma, duros e rígidos como sorvete recém tirado do freezer. Os olhos esbugalhados e aquela expressão de desespero estampado no rosto. Alguns preferem uma dose de cachaça para aquecer o corpo, mas é um ledo engano, bebem não é para espantar o frio, mas para esquecerem que ele existe. Comer também é tarefa difícil. Não é fácil se habituar a disputar um naco de pão embolorado com a ratazana do esgoto próximo ou espantar as moscas varejeiras do pedaço de carne meio apodrecido. Diarreia tenho todo dia. Cago sangue, o cu arde, acredito ser alguma infecção intestinal, ou apenas a reação do corpo por causa do meu organismo debilitado. Morrer para mim seria um alívio. Não produzo nada, não consumo nada. De que valia serviria eu?Agora com sessenta e cinco anos nem na prova de boa aparência passaria. Tenho os dentes podres, meu couro cabeludo incrustado de piolhos e lêndeas. As sarnas no meu saco coçam tanto que cada vez que coço é um naco de pele que sai debaixo das unhas. Esses dias sonhei com Jesus. Ele tinha o rosto estampado numa nota de cem reais. Sorria de forma irônica como se dissesse: - Te foderam a vida inteira e na velhice continuam te fodendo. Pois é Jesus – lhe disse. Queria mesmo era ter um banquete. Comer aquele torresmo crocante e saboroso com uma cerveja. Mas foi um sonho. Nem o tal messias se daria ao luxo de descer ao inferno para vir visitar-me. Pois minha vida vale menos que a existência de um cachorro.