Piscina

Dia frio, não me importo. Uma pausa do calor infernal que faz todo dia, o céu nublado que ocupou o lugar das tardes de sol que queima o asfalto, um refresco para o corpo que é frasco de uma mente tão turbulenta.

Coloco Florence para tocar, me desenrolo da toalha e percebo no meu corpo as marcas tão confusas e diversas como as férias de verão.

Água transparente, piscina bem cuidada apesar dos pequenos insetos que insistem em cair toda noite. Contraste com o resto do jardim em que a grama crescia livremente e as ervas-daninhas dominavam o solo. Ao fundo, um limoeiro carregado.

A casa estava vazia, exceto por mim e o meu fiel escudeiro, Átila. Ele é um golden retriever que cresceu demais e no auge dos seus quatro anos de idade, tinha medo de piscina e mangueira. Mas se contentava em deitar-se à beira para assistir ao meu mergulho.

Sentei-me ao lado dele, seu pelo macio e loiro, seu corpo quente e respiração arfada. Um suspiro e ele olhou para o céu: um pássaro ousa provocá-lo cantando livremente sobre o telhado. Cão sóbrio, não se deixa levar e volta seus olhos para mim.

- O que foi? Já vou entrar.

Num salto, entrei. Senti aquele momento em câmera lenta, a água surpreendentemente quente me envolvendo todo o corpo. Finalmente leve, o silêncio, a paz. Nem deu tempo de sentir a falta de ar e levantei. Volta a música, Átila me olhando serenamente e a confusão na cabeça.

Mais um mergulho, uma meditação. Bogotá, Curitiba, Nashville, Sorocaba, Miami, Nova Iorque, Chicago, João Pessoa, Nova Orleans, Tuscaloosa, Florianópolis, Paranaguá, Atlanta, Recife, Joinville, Maringá, São Paulo, Rio de Janeiro... Oxigênio. Assustei com a quantidade de flashes de memórias em tão poucos segundos submersa.

Depois, pensando bem, curiosa a sequência de lugares por onde eu passeei nas lembranças. Não foi em ordem cronológica, muito menos de preferência, ou de tempo de estadia, ou por onde deixei as pessoas que eu mais amava.

Esse é o carma e a bênção de quem não cria raízes: as pessoas mais incríveis do mundo passam por você, mas nenhuma fica. Não importa o quanto você goste delas, nunca ficam.

Aprendi a lidar comigo mesma. Sozinha. Até que ponto isso pode ser uma vantagem?

Chuva. Saio. Me enrolo novamente na toalha. Desligo o som.

- Átila, vamos?!

Milds
Enviado por Milds em 10/01/2017
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