O céu cheio de bichos deve ser  bonito. Bicho de todo jeito. Só bicho manso... Se existe bicho que João quer ver no céu é passarinho. Nunca matou nenhum. Nunca prendeu nenhum passarinho em gaiola. Matou duas onças por se achar  no direito de matar até seu semelhante, se não houver outro recurso para salvar a própria vida. Pecar todo mundo peca. Até os animais pecaram. Quando Adão pecou, os animais foram atingidos pela culpa do pecado. Não seria justo que na remissão, eles também fossem alcançados pela graça do perdão? Será que tem animal no céu? Se gambá for para o céu leva o fedor? ‘Não, o céu não tem mau cheiro. Só cheiro bom!’ Pobre compra perfume barato, que fede. Se pobre for para o céu... —‘Deixa de pensar besteira, João Velho! Tem mais pobre no céu que rico no inferno. Ninguém vai para o céu por ser rico ou por ser pobre.    
Ocupado com suas divagações. Não viu um vaqueiro que se aproximava montado num burro velho.
— Tarde!
— Tarde!
— Que ocorre?
— O burro me jogou no chão e quebrei a cantareira.
— É caçador de onça?
— Não! Sou vaqueiro da fazenda Campo Grande, distante, mais ou menos, três horas de jornada a cavalo.
— Que mal pergunta! E o senhor?
— Sou Laudelino vaqueiro de outra querência. Vou pedir pousada na primeira fazenda que entrar. Estou sete dias viajado, e o mantimento ficou pouco. Se o fazendeiro se agradar de mim. Fico por lá. Acertei conta com o patrão e recebi  o burro como paga.  Vale muito.  Salvou minha vida.
— Quer um gole d’água Laudelino?
— Carece não! Pode me chamar de Lau. Fico mais à vontade.
— A travessia é longa. A fazenda mais próxima é do meu patrão.
— Chego até lá.
— Chega, se Deus quiser. Eu é que não sei se chego vivo com essa dor no ombro.
— Podemos ir juntos seu...
Lau fez uma pausa tentando dizer o nome do vaqueiro matador de onça. João Velho percebeu e se antecipou:
— O Senhor pode me chamar de Nhô, Nhô Velho, ou João Velho. Diante de Deus o nome é um só. É o nome de batismo. Mas o povo bota apelido. Deve ser para ficar engraçado, mas tem apelido que ofende.
— Eu ia dizendo: podemos ir juntos João Velho. Não se acanhe se precisar de ajuda.
— Sim, podemos ir juntos. Desconfio que esse braço vai me dar trabalho. Quero dizer o ombro. Parece que a clavícula quebrou.
—  Também acho que quebrou. O braço está descompensado. O amigo vai tirar o couro da onça?
— Não! Só cortar as orelhas pra levar de lembrança.
— Eu corto.
— Fico agradecido.
— Quer ajuda pra montar?
— Faço sozinho. Ponha as orelhas dela nos  alforjes. Aperte a cilha de meu burro, e vamos. O sol já pendeu muito.
***
Adalberto Lima, trecho de Estrada sem fim..(ficção)