A professora
A Professora
Sexta-feira. Penúltima aula da noite, eu não via a hora de ouvir o toque de troca de aula. Por que a ultima aula sempre demora tanto para bater??? Mistério. Tudo bem. Haveria de acabar logo. Finalmente o horário bate e a ultima professora entra. Como sempre calada. Um tímido boa noite e uma passada rápida de olhos pelos alunos. Com certeza naquele olhar ela sabia quem tinha faltado ou “filado” aula.
Naquela noite a aula não parecia ter muita importância para ela. Fez a chamada, como sempre. Teria ela prazer em aplicar faltas? Outro mistério...
Termina a chamada, fecha a pauta, suspira, abre o caderno, e passa a atividade que não havia dado tempo de passar na semana anterior. Tentei realmente fazer a atividade. Peguei minhas anotações e tentei lê-las. Esforço em vão. Tudo bem.
Eu estava à margem da historia. Bem... Não tão a margem assim, por que eu a observava em silêncio. Não sempre. Mas por vezes eu parava para ficar analisando aquela professora. Pode-se dizer ate que era um hobie. Estranho. Mas um hobie.
Tinha uma beleza simples e incomum. Na verdade era diferente, fora dos padrões. Opulenta. Essa palavra a descrevia bem. Era de uma graciosidade e sensualidade impressionantes, e Sabia bem como prender a nossa atenção. Por vezes calada, taciturna até. Pouco falava fora de dos assuntos da matéria e de suas explicações, parecia adorar ensinar, ao menos demonstrava isso quando se perdia em explicações metodológicas e terrivelmente teóricas. Sempre parava ao perceber as rugas de interrogação da platéia, que com certeza estavam bem aquém dela. Então ela voltava à simplicidade de nossas capacidades. Jeitinho simples, exigente, chata por muitas vezes quando tentava dar o mais que podia e “tomava” de nós numa voracidade terrível.
Mas naquela noite, algo havia de diferente. Parecia feliz. E ela, quase nunca parecia feliz. Era pragmática demais. Fiel os seus ideais. Talvez por isso parecesse sempre tão seria, intocável, inatingível e invulnerável a nós. Bom, mas voltando a questão anterior, ela estava diferente, parecia diferente.
Então parei para observá-la a miúde. Estava particularmente diferente. Ao tempo daquele descanso, tamborilava os dedos alvos ciclicamente sobre a mesa. Por vezes enrolava um dos cachinhos claros entre o dedo polegar, o indicador e o médio. Parava o movimento, e seu olhar tornava-se perdido entre as carteiras, alunos e não tão difícil, atravessava a parede da sala de aula... e se pedia no infinito.
Havia de ter sido um dia diferente para ela. Ou preconizava algo a ainda por acontecer. Com certeza.
Mesmo depois de todo o labor do dia, seu olhar brilhava e eu podia ver, mesmo que distante, a umidade de lagrimas que ela lutava em guardar no fundo dos olhos, e dentro do baú de ferro da sua aparente fortaleza.
Nesse momento um leve sorriso brotou de seus lábios, disfarçado e teimosamente insistente... E, quando as barreiras do insustentável não mais podiam ser sustentadas, o sorriso plácido, legítimo e tão particular abria caminho por entre seu âmago, seus lábios e se estendia pela face em pleno rubor indisfarçável.
De estalo, eu não tive duvidas! Se não pela aula, ou pelo assunto ou pela ultima hora do dia, só aquele sorriso já havia sido tudo. Meu dia estava ganho. E minhas impressões, tão preconceituosas e rasas a seu respeito caíram por terra... Ela era humana, linda, sensível, e afável.
Minha alma pareceu tocar a dela por conta da invasão de meus pensamentos a seu respeito. Ela olhou para mim. E ainda rubra sorriu sem jeito, tímida e envergonhada por constatar que eu a estava observando naquele momento tão particular. Não me pareceu zangada pela invasão. Ao contrario. Sorriu de novo! E meu coração ficou quente, e eu, não tive mais duvidas! A professora estava amando.
Malibe, Março e Junho de 2004