A Quadratura do Círculo-cap. XXIII
Resolvo sair; aqui o ar está abafado; alguns tipos de clima não são favoráveis à reflexão e o pensamento, especialmente os dos cubículos que criaram e chamam da habitação. Abro o portão; ah, não , vejo vindo na esquina o professor Avogadro; não estou com vontade de falar com ele, ainda mais que me aluga para falar de suas esquisitices.Não adianta; ele me viu e me acenou:
-Olá, jovem! Tenho algo a lhe falar; vamos até aquele boteco!
-Ah, sim!
Sou demasiado paciente; ninguém tem a minha; cada louco que encontro, um pior que o outro; esse mundo é dos malucos e, tenho que aguentá-los.
Sentamos no boteco; os outros frequentadores repararam no cabelo esquisito e mal cortado do professor Avogadro, mas continuaram na sua labuta, quer dizer , na sua não labuta; aguns jogavam bilhar e as bolas estalavam; outros davam risada.
-Salta uma gelada e uns bolinhos , mané! Ah, e um ovo cozido! E pra você?
-Não quero nada , não,vai... um guaraná!
-Guaraná? Tá bom! Eu já lhe tinha dito sobre a lei das compensações e a lei do todo , enunciada por meu pai, químico famoso; quer dizer, baseada na lei da Lavoisier de que “nada se cria , nada se perde, tudo se transforma”. Sim tudo se transforma; estamos aqui nesse boteco, e tivemos que pegar a cevada para a cerveja, a semente do guaraná; a galinha teve que ceder seu ovo para o colocarmos nesse prato ( nesse momento o dono do boteco colocava um ovo cor-de-rosa sobre o prato; gozado; pro que os ovos de boteco são cor-de-rosa?).Um todo harmônico em que nada se desperdiça; nem um grão de areia; obeserve como tudo tem uma função precisa na Natureza.
-Mas o homem desperdiça...
-Mas o homem é um caso diferente... vou explicar depois; ele foi trazido a esse mundo por seres dourados, vindos do espaço...
Não me deixava falar; no começo, até que sua conversa era interessante; depois começava a viajar. Mais interessante estava em saber por que os ovos de botecos são pintados de rosa; usam algum produto? Mas pra que isso; viajo e nem presto atenção em Avogadro, que continua a falar, com sua barba rala e dentes amarelados... talvez tinjam os ovos porque o entorno é tão cinzento, aí, alguns chamam os lugares mais pobres de Jardim... jardim isso, aquilo; deveriam chamar de buraco... mas usamos eufemismos e.... nem sabemos disso.
- O homem tem o poder de atuar sobre o todo...destrói e desiquilibra o todo e a harmonia universal...
-Desculpe, professor; aprecio sua conversa, mas tenho um compromisso ( olhei o relógio para simular algo que me faria me desvencilhar daquele embaraço; na verdade estava na metade de minha tradução de Homero; o editor me cobrava...
- Mas é uma pena; agora iria terminar de expor o âmago de minha teoria...
-O senhor é aposentado; eu tenho que ganhar a vida; depois continuamos nossa conversa ( já ia levantando; com as mãos, fez-me abaixar)
-Só mais uma coisa: “no universum, o centro está em toda parte”
Gostei da citação; achei espirituosa; talvez fosse um gênio incompreendido; isso até verificar na net que a citação não era dele; era até um lugar comum.
Voltei às minhas ocupações; além da tradução da Odisseia, que adiava mais uma vez, tinha uns trabalhinhos para garantir o sustento; uns trabalhos de faculdade, bicos que não me deixavam passar por necessidades. Porém isso não me satisfazia; o que me satisfaria? Ser um consumista inveterado? Já tinha provado isso com Paloma, mas o vazio continuava. Seria isso a vida. Só isso? Viver para o consumo ou se consumir na labuta pelo mínimo. Peguei o texto em grego: “ A de olhos glaucos, Palas Atena, disse-lhe então em resposta...”
Aquele mundo de mitos parecia distante e fora de minha realidade, que teve a Paloma e, agora a Rafa, ou Rafaela; mordia-me de raiva como ela podia ser tão comum... e eu apreciá-la!