O homem do orelhão
O homem do orelhão
Certa vez, quando fazíamos nossa caminhada matinal, eu e minha mulher passamos a suspeitar de um homem de meia-idade, bem vestido, cabelos grisalhos que aparecia diariamente as dez horas da manhã e ocupava o orelhão da esquina. Chegava dirigindo um carro de luxo vermelho, telefonava por uns vinte minutos, e depois, entrava no carro e desaparecia.
A princípio, não demos importância ao fato. Todavia, começamos a achar aquilo muito esquisito, devido a frequência e a coincidência do horário em que ele aparecia para telefonar. A atitude daquele homem tornou-se estranha, porque, como qualquer gesto humano, o ato em si não daria margens a suspeitas, se não fosse a reincidência.
E então, na busca de mais detalhes, passamos a observá-lo com mais atenção. Durante alguns dias, vimos quando ele chegava, descia do carro e se dirigia ao orelhão. Tinha cerca de cinquenta anos, usava óculos e levava uma correntinha no pescoço com um crucifixo. Durante uns vinte minutos, falava com alguém de uma maneira muito afetada, depois voltava para o carro e ia embora.
Muitas vezes, em casa ficávamos a indagar: O que levaria aquele homem de tão boa aparência, com sinais exteriores de riqueza, procurar um orelhão, provavelmente, longe de casa àquela hora? E ficávamos especulando. Porque ele não usava os vários telefones que deveria ter em casa ou no local onde certamente trabalhava?
Ele era um tipo curioso. Sem no entanto, sermos indiscreto a ponto de perturbá-lo, tomado apenas pela sensação de que ali havia um mistério, ficávamos o observando por alguns minutos e depois, seguíamos na nossa caminhada pelo quarteirão. Quem era, e de onde vinha? Porque procurava o orelhão da nossa rua? Eram as principais perguntas que fazíamos. Elas nunca tiveram respostas e nem ficamos sabendo quem ele era. Talvez ali houvesse um caso amoroso.
Algumas vezes pudemos ver com clareza que ele sorria alto, demonstrando grande satisfação naquele colóquio telefônico. Um dia, notamos que ele chorava. Paramos para observá-lo melhor. Ele virou a cabeça e perscrutou nossa intenção de invadir seu segredo. Apressamos o passo e seguimos na nossa caminhada sem olhar para trás.
Entretanto, desde aquele dia, nunca mais o vimos ocupando o telefone da nossa rua. Hoje, quando passo pelo orelhão, fico imaginando que aquele aparelho com certeza, tornara-se cúmplice dos seus segredos. Detenho-me um pouco e o observo, pensando nos segredos que ele guarda.