O Desenhista - Capitulo 2: Ultimos acertos
Na manhã seguinte, acordo mais tarde do que deveria e meu corpo pedia para descansar mais. Fico um pouco na preguiça. Começo a me lembrar de um sonho que tive a noite, via as imagens em relances, era como se sentisse a presença de Rodrigo ao meu lado. Sentia o calor de seu corpo, o perfume de sua pele, sua respiração e seu toque suave. Tudo era tão real. Difícil dizer que foi apenas um sonho. Minha mente reproduzia seu delicioso sotaque castelhano. Era como se ele sussurrasse lindas poesias em meus ouvidos. Algo em mim estava mudando. Não me reconhecia, meus sonhos costumavam ser mais comportados.
Levanto e sigo para um banho rápido. Já estava quase me atrasando e para me atrapalhar ainda mais as imagens daquele sonho não saiam de minha mente. Vinham em flashes, prendendo minha atenção e me distraindo de meus afazeres. Fazia calor, visto uma saia mais comportada, camiseta de banda de rock, botas de couro, cano médio em tom vinho, pulseira de couro vermelha. E minha correntinha de prata que sempre uso junto a dois pingentes: uma delicada gaiola com um pássaro a voar e o olho de Hórus. Eles me lembram a sempre ser livre e ter mais confiança. Venho de uma família muito católica, mas não tenho nenhuma religião especifica. Apenas acredito nas forças da natureza e gosto de usar alguns amuletos.
Tomo café. Pego minhas coisas e resolvo levar uma coletânea de poesias que gosto muito para ir lendo no ônibus. Quando chego, todos já estavam à mesa discutindo os detalhes do projeto. Sento-me ao lado de Ana. Vejo que Rodrigo repara em meu livro e sorri quando me vê.
“Nossa Alice! Agora vai começar a chegar atrasada? Está acontecendo alguma coisa?” – diz Ana baixinho em meus ouvidos.
“Acabei perdendo a hora. Mil desculpas, prometo que não vai mais acontecer.”
“Espero! Bem, agora que a senhorita atrasadinha chegou, vamos dar seguimento à reunião. Relembrando, a ONG que nos contratou quer que façamos uma revista, um portal de noticias e um livro (anuário) com os frutos do projeto. Nele irá conter os melhores textos escritos pelos jovens junto a fotos dos melhores grafites. Assim, fortalecendo o trabalho em equipe e contemplando mais pessoas. Rodrigo, eles também querem alguns desenhos para ilustrar a revista. E acompanhamento nosso dos trabalhos. Pensei que você Alice, e você Rodrigo poderiam ir pessoalmente.
“Boa idéia Ana!” – diz Alice mais animada do que de costume.
“Bom, hoje acho que terminamos de fazer o cronograma e a divisão de atividades, delimitando as datas. Assim, Alice e Rodrigo, vocês poderiam ir amanhã mesmo. Já deixem combinado. E Alice ligue para ONG avisando. Podem ir direto, e já que o lugar é longe, tirem o resto do dia de folga.”
A manhã passa voando. Chegando o horário de almoço. Alice diferente de ontem, estranhamente estava sem muita fome. Assim, pensa em pegar uma saladinha leve e um sanduíche na padaria ali perto. Rodrigo resolve sair para comprar alguma coisa. Quando estava sentada em minha mesa comendo, Ana chega e diz:
“Apesar de não conhecer muito do Rodrigo, me contaram que ele já deu aulas de desenho para crianças em uma ONG. Por isso pensei que seria interessante que ele ir com você.”
“Nossa! Que bacana! Com aquele sorriso todo e alegria, as crianças deveriam adorar. Posso imaginar a farra que deveria ser.”
“Ai...Ai... Mas pelo seu comentário todo animado, estou quase me arrependendo de ter mandado vocês dois. Comporte-se viu!! Lembre-se de que dependemos que esse projeto dê certo para sermos bem aceitos no mercado.”
“Já disse que não vou esquecer! Você realmente cismou que estou interessada nele, não sei de onde tirou essa sandice, enfim... Vou fazer meu melhor para que tudo corra bem.”
“Assim espero! Ai Alice... você me coloca em cada uma! Sabe que somos amigas há séculos, mas aqui sou responsável por coordenar tudo, tenho que ser linha dura e sem distinções. Mas, fora daqui não, que tal darmos uma esticadinha depois do expediente? Podemos ir naquele bar aqui perto. Quem sabe assim, você não conhece alguém interessante e sai dessa solteirice. Faz quanto tempo que você terminou com o Fê?”
“Acho melhor não, viu. Não sei se é ansiedade por conta do projeto, não tenho dormido bem. E pelo que eu vi, o lugar é bem longe, amanhã teremos de quase madrugar.”
“Assim, enfurnada em casa, vai acabar ficando é para titia!”
“Ahahaha. Boa! Acho que levo jeito para tia. Mas, não pretendo ficar sozinha o resto da vida. Tenho esperança de que ainda vou conhecer alguém bacana e que valha apena.”
“Aff Alice! Falando assim até me lembrou sua mãe! Como você é exigente.”
“Nem de longe diga isso! Nunca vou ser como minha mãe, nunca ouviu bem! E não sou exigente, acho até que sou bem desprendida. Só não saio ficando com qualquer um, muito menos machistas que só sabem malhar o corpo, que é o que mais tem por ai. Pessoas com uma mente bem exercitada, que são raras, podem fazer loucuras!!!”
“Eita! Como assim? Agora vai me dizer que um belo corpo não conta não? Duvido que você não reparou no físico bem trabalhado do Rodrigo? Aposto que ele deve fazer exercícios todos os dias.”
“Você fala cada uma! Só quis dizer que pessoas que exercitam a mente são bem mais interessantes e é obvio que eu reparo! Ah deixa para lá.”
“Desculpe entrar na conversa de vocês. Mas, o que tem pessoas que exercitam a mente? Curioso eu. Acho que sou um desses.” – pergunta Rodrigo tentando se enturmar.
“Aposto que irá concordar comigo. Estava falando para a Ana que não basta ser bonito se não tiver uma mente bem exercitada.”
“Ah sim, concordo. Ser apenas bela até conta em um primeiro momento, mas depois, sempre faltará algo. Conversar sobre assuntos interessantes, a dois, pode ser bem instigante!”
“Ahahaha! Olha só! Aposto que vocês antes de ficar sério com alguém pedem uma lista de livros favoritos, e dependendo do que verem tratam logo de dispensar.” – expressa Ana.
Os dois caem na gargalhada. Mas pensam que não deixa de ser mais ou menos assim. Voltam ao trabalho. Alice liga para a ONG e deixa tudo combinado para amanhã. Vendo o endereço constata que realmente terão de madrugar! O resto da tarde transcorre rápido. Terminam de passar os últimos pontos importantes e dividir as tarefas. Todos se despedem. Juntos, no ônibus, Alice aproveita o percurso para deixar combinado com Rodrigo a visita.”
“Como você prefere fazer amanhã? A Ana disse que nem precisamos vir ao escritório, podemos ir direto. Pelo que eu vi, teremos de pegar mais de uma condução.”
“Tem metrô perto? Eu sempre prefiro, pego pouco ônibus!”
“Podemos marcar de nos encontrar na catraca do metrô Vila Madalena. Mas terá de ser bem cedo. Umas 7h, ok?”
“Tudo bem. Estarei lá. Até amanhã Alice.” – despede-se Rodrigo descendo do ônibus.
Ela desce alguns pontos depois. No caminho lembra-se de que sua dispensa estava vazia, então resolve fazer umas comprinhas. Sabia que voltaria com fome e cansada para cozinhar amanhã. O supermercado não estava cheio. Rápido ela termina as compras. Chega em casa. Deixa as coisas na cozinha, guarda o que é de geladeira e vai para um banho, mais que merecido! Veste uma roupa confortável e vai para a cozinha. Resolve de comida fazer um strogonoff de carne, fácil e prático para congelar. Assim não gasta almoçando e jantando fora. Aproveita e faz um molho de tomate e cozinha um macarrão rápido para a janta. Ela não sabia dizer bem por que, mas tinha horas que sentia uma fome descomedida e noutras nem se lembrava dela. Ela termina de comer e resolve dar uma olhada em seus emails e no seu facebook. Assim que entra em seu perfil, vê que tinha um pedido de amizade. Era Rodrigo. De imediato ela aceita, e entra em seu perfil para dar uma fuçada. Nele muitas fotos de seu país e de sua família. Parecia ser uma pessoa muito ligada a eles. Em suas publicações pensamentos profundos e frases de autores famosos. Mas, vez por outra, algum quadrinho muito bem humorado e sarcástico do Quino. Sua lista de livros favoritos era extensa e de fazer inveja. Seus filmes eram muitos e dos melhores. Seus artistas musicais favoritos iam desde música típica do seu país a rock melódico, passando por música brasileira e clássica. Eclético o rapaz! Ela deixa uma mensagem carinhosa, dizendo que a amizade está aceita, que ele tem muito bom gosto e que quem dera tivesse lido metade dos livros que ele leu! Não estava online e suas postagens eram muito de vez em quando. Ela termina de usar a internet e resolve ir deitar cedo. Amanhã seria um longo dia. Liga a TV e deixa em algum desses canais de documentários musicais. Agitada e confusa vagueia, não conseguindo se ater à TV e a um pensamento só. Eles vinham e sumiam rapidamente, em flashes. Quando de repente se dá conta de que linhas brotavam e se alinhavam precisas e rítmicas em sua mente. Era ele!! Era ele!! Um singelo poema estava nascendo. Ela pega à mesinha ao lado da cama um caderninho e caneta. Sem muito esforço e muito pensar começa a escrever. Em poucos minutos eis que ele surge:
E como fica o desejo?
Onde cabe o amor?
Como viver não sendo um padrão?
Como viver, amar e desejar...
Nele refletia sobre seguir padrões e como ser você mesma. Assim terminando ela apaga a luz, deita e logo adormece.