O CORRETOR DE IMÓVEIS
O forte barulho das chaves evidenciavam a entrada de alguém naquele apartamento minúsculo da zona sul. Eriberto acabara de voltar de uma audiência no tribunal da cidade. Às 11 da manhã ainda não havia almoçado. Ele abriu a geladeira e encontrou apenas uma maçã podre, um pedaço de queijo mofado, e uma garrafa de água mineral vazia. O local estava fechado há anos. Os móveis estavam cobertos por uma grossa poeira. A mesa de jantar fora carcomida pelo cupim que espalhava os pequenos grãos de madeira pelo chão da cozinha. Na última visita, Eriberto notou que a cor marron do prédio estava muito desbotada. Mas com uma reforma recente, o edifício recebera uma tinta amarelo manga. A vizinha do lado esquerdo ainda era, na época, uma mera estudante pre Enem. Mas tornou-se uma universitária ativista. O bairro não era mais o mesmo. A pracinha não tinha mais o gradil, e os crisântemos não exalavam mais o cheiro forte. Os brinquedos das crianças estavam quebrados, e a fonte secou devido ao racionamento de água. A imagem de uma praça deteriorada lembrava a de uma terra arrasada. Eriberto, parado em frente a janela, contemplava do lado direito a loja de redes do Seu Balboni, e do lado esquerdo a praça da Fonte. Durante longos minutos os olhos do corretor alcançaram todos os detalhes de sua vizinhança. Mas agora tudo deveria ficar para trás. Ele sairia dali deixando aquele apartamento que não lhe pertencia mais. Ele perdeu a sua moradia para a prefeitura por causa do não pagamento de IPTU e outros tributos nos últimos dez anos. Eriberto sempre resolveu os problemas de seus clientes, mas esqueceu dos seus compromissos como cidadão pagador de impostos. Ele fechou a porta, caminhou até a escada e entregou a chave do apartamento ao porteiro. Na porta do prédio olhou para um lado e para o outro e foi embora. Mas antes ainda foi cumprimentado por alguém, lhe desejando Feliz Ano Novo. Porém o que ele queria mesmo era uma esposa e um apartamento novinho. Quem sabe o novo ano não traria tudo isso?.