Ficou contente, porque Emília aprendera mais do que lhe foi ensinado. E nunca mais pensou que não se devesse dar ouvidos ao que diz uma boneca.
— Emília, achas que alguém vai ler a coisas que escrevo?
— ‘Não há nada tão ruim que não sirva para alguma coisa’.
— Lembro desta sentença. Seu Jeremias estava prestes a rasgar um dicionário de sentenças latinas, quando se deparou com a frase que acabas de dizer.
Emília empalideceu.
— Eu não disse que cunhei a frase. Só não sabia como explicar que não era minha...
— É fácil. Se escreveres expressões ou textos de outrem, ponha aspas. Se o discurso for oral, diga: ‘Abre aspas.’
— Então os falantes devem abrir aspas, em tudo que dizem, porque ninguém é original. Nem o primeiro homem foi original. Ele só falou depois que Deus soprou em suas narinas.
Emília se deu por satisfeita por advogar em causa própria. E retomou o assunto:
— Suponhamos, que alguém leia teu livro. Para onde vão os livros depois de lidos?
— Muitos livros nem chegam a ser lidos. Algumas pessoas os têm como enfeite nas estantes, outras como fonte de pesquisa ou consulta. Nunca lidos ou consultados, as páginas ficam amareladas, traças roem, e os livros são lançados fora. Os que tiverem a sorte de serem lidos, vão parar na lixeira, e serão triturados pelas engrenagens dentadas do caminhão de coleta. Meu pai, no entanto, dá destino mais nobre aos livros que lê: esquece-os de propósito, em algum lugar público. E vigia de longe. Avalia: se a pessoa folhear algumas páginas e levar o livro. É leitor. Se antes de folhear, olhar para trás, olhar para os lados... e constatando que não vem ninguém, pegar o livro e for embora, é ladrão. Ocorrendo a segunda hipótese, seu Jeremias resmunga: ‘A ocasião não faz o ladrão, o ladrão se revela, quando a ocasião é favorável.’
— A intenção não era que alguém pegasse o livro?
— Sim! Pegasse para ler. Ladrão não tem tempo de ler livros. São muito ocupados, trabalham demais no planejamento estratégico de seus crimes.
Emília teve vontade de rir. Mas fora feita sem sorriso.
— Falávamos mesmo de quê?
— Dos livros que meu pai esquecia em logradouros públicos.
— Então, por que teu pai não faz a mesma coisa com os jornais lidos?
— Quem vai querer jornal de segunda mão? Se ele se esquece de ler o jornal no mesmo dia da edição, não o lê mais.
— Bobagem! Tanto faz jornal de ontem, de hoje ou de cinquenta anos atrás, as notícias são as mesmas. Pode pegar o jornal velho e mudar só a data. Por exemplo: 1949 — ‘Fora Vintém!’ — Protesto contra o aumento da passagem do bonde no Rio de Janeiro. — Podemos retroagir mais. Ano 99 Depois de Cristo, a Europa entra em pânico: ‘O mundo vai acabar!...’ Ano de 1999, dois mil não inteirará, dizia o povo.
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Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...