934-PRESÉPIO-Série Palavras Evocativas
Série – Palavras evocativas
Presépio – uma das palavras que me lembram das atividades de do tempo de Natal no interior de Minas, especialmente na cidade em que nasci, São Sebastião do Paraíso, sudoeste de Minas Gerais.
A época destas reminiscências se situa na década de 1940, quando as celebrações natalinas tinham mais a ver com o nascimento de Jesus de Nazaré do que com Papai Noel.
Mês de dezembro era cheio de coisas bonitas, animadas e interessantes.
Presépios nas casas das pessoas mais fervorosas e mais criativas, congadas no final do mês, Missa do Galo na igreja matriz. Para não falar das “frutas de natal” (nozes, avelãs, castanhas), nas uvas produzidas pelas parreiras cuidadas por meu pai, nos vinhos servidos até as crianças (que não gostavam muito, não), dos raviolis, canarites (comidas típicas de italianos), doce de figo em calda feitos por minha mãe e tia Carlota.
A família de nossos vizinhos Zé Ferreira e dona Claudina era a que menos se integrava com os demais vizinhos do quarteirão. Ele era proprietário de sítio rural que arrendava e vivia do arrendamento. Sendo ele mesmo de origem rural e muito simples, de pouca conversa. Dona Claudina, muito religiosa, era a única do quarteirão que ia à missa todos os dias. Os filhos Zé Maria, Silvio, Júlio e Luiz, todos muito educados, mas, como o pai, pouco comunicativos.
Se não recebiam nem faziam visitas durante o ano, eram visitados por todos nós, no mês de dezembro. Isso devido o presépio que montavam em sua casa, na sala de visitas.
Construíam sobre uma mesa grande e era simples mas ao mesmo tempo cheio de detalhes. A gruta ficava do lado direito, no fundo, e era iluminada por inúmeras velas pequenas cujas luzes ficavam multicoloridas devido ao papel celofane amarelo, verde, azul, vermelho, enfim, de cores muito variadas.
As figuras que apareciam no presépio tinham dez centímetros, eram pequenas, de cerâmica, e compunham a cena clássica do menino Jesus no leito de capim. Havia dezenas de outras figuras de animais – cavalos, vacas, patos galinhas e galos, todos feitos pela habilidade de Júlio em trabalhar a tabatinga.
Um campo verde-esmeralda representava um trigal. Na realidade, eram grãos de arroz brotados, bem juntinhos, que precisavam ser aparados durante o mês, pois cresciam muito.
Havia uma pequena extensão de areia, por onde caminhavam os reis magos: era o deserto do oriente, onde folhas de bambu amarradas ao redor de um palito de sorvete, simulavam palmeiras e tamareiras.
Num canto, uma pequena área com plantas miúdas simulavam a mata que deveria existir por lá. No outro, um pedaço de espelho quebrado, simulava um lago.
Caminhos entre as plantas eram usados por transeuntes com roupas orientais e até dois soldados romanos transitavam por ali. Sobre a gruta, dependurados nos bambus, três ou quatro anjos. No topo da gruta, um galo vermelho pretendia anunciar o nascimento.
As figuras eram movimentadas: os reis magos caminhavam (apenas à noite, quando ninguém observava) e a cada dia estavam mais próximos da gruta.
Sobre o presépio eram armados bambus, com folhagem, colhidos recentemente, simulando o céu. Dependuradas, bolas multicoloridas e mais anjos.
A casa de dona Claudina e seu Zé Ferreira se enchia nos dias que precediam o Natal. Eram pessoas que vinham admirar o presépio (algumas deixavam até moedas; até hoje não sei para que ou por que), outras rezavam.
Dona Claudina “puxava” o terço todas as noites, ajoelhada defronte o presépio. Então vinha não só a vizinhança, mas gente de longe, de outros bairros.
Artur, meu irmão, e eu, íamos todos os dias ver o presépio e observar as modificações.
A representação atravessava o mês de dezembro e só terminava em seis de janeiro, dia dos Reis Magos, quando, diz-se, os reis chegaram com presentes para adorarem o menino que era Deus.
Dia sete, a demolição ficava por conta dos menores: aos quatro filhos de Zé Ferreira e Dona Claudina, juntávamos eu e Arthur, que, com cuidado, guardávamos o que tinha de ser conservado para o próximo ano, e aproveitávamos as “plantações” para nossas brincadeiras.
Para nós, naquela época, tudo terminava em brincadeira.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 1 de dezembro de 2015
Conto # 934 da série 1.OOO HISTÓRIAS