O Sonho Mudou

Estephenny era diarista no bairro de alta classe do Brooklyn em São Paulo. Fazia faxina seis vezes por semana e se surgisse serviço no domingo, ela combinava o valor com 50% de acréscimo. A Estephenny era tão boa no que fazia que ninguém tinha coragem de  negociar a sua taxa diária cobrada pelo seu excelente e impecável serviço.
Trabalhar no Brooklyn  era totalmente fora da sua praia mas ela faturava tão bem com as madames que  nem  se importava com a extravaganza delas.
Apenas uma coisa deixava  a diarista louca da vida: recado deixado na geladeira ou em cima da mesa da cozinha com o nome dela escrito errado: Stephany. Corrigia as  patroas  mas elas ignoravam a ortografia do seu nome e escreviam daquele jeito que haviam ditado ser  o  correto. Estephenny não existia. Mas como não existia? O nome dela era Estephenny mesmo e ela existia sim, oras. Melhor era não criar confusão e engolir a Stephany delas.
Naquela segunda feira chuvosa, ela chega para mais um dia de batente na casa da Dona Maria Augusta, a Dona Guga, uma publicitária de quarenta anos da maior agência do ramo no Brasil. Quando Estephenny chega às sete da manhã, a Dona Guga já não se encontra mais em casa. A patroa rala tanto quanto ela. Vive correndo atrás de um tal de 'Cool' que quase não lhe dá tempo para ter vida social, coitada. O 'Cool', segundo D. Guga, está sempre em evidência. Um dia é assim, no outro é assado. Mas a patroa também disse uma certa vez que tem gente que já nasce com 'Cool' e são felizardos.  Coisa complicada esse 'Cool'. É atrás do 'Cool' que a D. Guga corre atrás todo dia desde que começou a faxinar para ela oito anos atrás.   
A Estephenny repara que tem nova decoração na estante da sala. São cinco letras coloridas que formam uma palavra: Dream. Nem passa pela a cabeça da diarista o significado daquela palavra que lhe parece algo chique, tipo 'Victoria´s Secret'. Mesmo aos vinte e cinco anos, a Estephenny mal consegue ler. Saiu da escola na sexta série e nunca mais voltou a estudar, nem mesmo para ler um livro. O que importava era saber ler os nomes dos ônibus que ela pegava para ir trabalhar e o que mais pegava era o tal Brooklyn. 
O serviço começa com a lavagem das roupas. Enquanto a máquina lava, a Estephenny arruma a cama da patroa e dá  aquela geral na bagunça deixada  pela elegante patroa. Depois ela vai até a cozinha e lava a louça do fim de semana. Quem vê pensa que houve uma festa mas na verdade a D. Guga adora beber, por isso tem várias taças sujas e alguns pratos com vestígios de aziete, orégano e pequenas crostas de pão italiano. Ela nem terminou com a louça mas sabe que a primeira máquina de roupa já está lavada, só falta secar. Ainda faltam mais duas lavagens: roupa de cama, toalhas de banho e as toalhas da cozinha.
Estephenny coloca a segunda máquina para lavar e volta para aquela enorme sala de estar. Ela resolve remover os enfeites todos da enorme estante e tirar o pó. Aquele  cheirinho  do  'Poliflor'  invade  suas narinas e a levam para o tempo quando lustrava os moveis da casa da sua avó que também fazia faxina para manter a sua família. Como tinha saudades daquele tempo, da Vó Celeste, sua nega maluca com cobertura farta feita com  Nescau e as histórias da sua infância que contava nas visitas aos domingos.
A máquina está pronta para a terceira e última lavagem. Estephenny vai até a lavanderia e retira a roupa seca da máquina. Cuidar da casa da D. Guga  é fichinha. Essa máquina de lavar é magnifica. Lava e até seca. Ahhh se a Vó Celeste estivesse viva para ver isso! Ficaria doidinha com tanta tecnologia e diria com aquele seu sotaque de nordestina, "Onde já se viu um trem desses lavar e secar! Só falta passar!"
Estephenny  volta  à sala  cantarolando um hit do Tiago Iorc e  vai  colocando  os  enfeites  de volta na estante mas quando chega  nas letras não consegue lembrar a palavra, muito menos a ordem delas. Ela coloca de um jeito: DERAM. Hummm ... DERAM?  Não. REMAD? MADER? Também não. Finalmente, Estephenny chega numa palavra perfeita que define esse mundo tão injusto com os menos privilegiados. Coloca cada letra em pé, separando uma da outra e ao terminar dá  o seu  sorriso maroto e solta uma risadinha sinistra.
Quando D. Guga volta, lá pelas 23 horas,  a primeira coisa que vê quando entra na sala é o seu novo enfeite.  De manhã quando saiu, estava escrito DREAM, agora era ...  

 
                                  

"Hummm .... Aquela Stephany é   'cool' demais!", pensou D. Guga  e soltou uma gargalhada daquelas de dar inveja à Fafá de Belém, ou será do Brasil? 
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 20/12/2016
Reeditado em 17/04/2017
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