AS UVAS

Era o final do ano de 1956.

Como de costume, mais uma vez, estávamos reunidos para a passagem do ano na casa de uma das minhas tias, irmã da mamãe. Era sempre assim, ceia de natal na casa de nossa avó materna e almoço na casa da avó paterna e a passagem do ano, normalmente, na casa de uma das irmãs da mamãe, a tia Lurdes.

Mas, naquele ano seria diferente, pois ela em período final de gravidez, não tinha condições de nos recepcionar. Então fomos todos para a casa da tia Lia, a primogênita das irmãs.

Tudo corria como de costume, enquanto os homens na sala conversavam sobre política e futebol e as mulheres na cozinha davam os toques finais nos pratos da ceia, as crianças, eu e minha prima Laura, ambas entre dois e dois anos e meio, brincávamos ao redor da linda mesa posta na sala de jantar e a cada volta pegávamos algumas uvas geladinhas com as quais nos deliciávamos.

De repente, uma notícia inesperada, tia Lurdes entrara em trabalho de parto e estava a caminho do hospital, onde o bebê não demorou a nascer, exatamente na passagem para o ano novo, uma menininha.

A alegria foi geral, todos brindaram ao novo ano e a mais nova integrante da família.

Depois dos brindes e finda a ceia, tia Lia, como irmã mais velha correu para o hospital, a fim de oferecer seus préstimos. Os homens retornaram ao bate-papo. Mamãe ajudada por uma sobrinha mais velha ficou cuidando de nós e de deixar tudo limpo e organizado.

Enquanto isso, alheias a tudo, voltamos a brincar, correndo ao redor da mesa e a cada volta pegávamos mais algumas uvas da imensa travessa repleta delas, das quais ninguém tinha ainda provado nenhuma.

E assim foi todo o resto da noite, até que de repente, de tanto correr e comer uvas e mais uvas começamos a nos sentir enjoadas.

O resto nem preciso contar.

Nossos pais desesperados correram conosco para o pronto socorro de um hospital próximo onde um médico, espantado, diagnosticou intoxicação alcoólica.

O excesso de uvas em nossos estômagos infantis havia fermentado e provocado reação semelhante à de uma bebedeira.

E assim, até hoje, em toda passagem de ano lembramos a história do nosso primeiro e único porre de nossas vidas.

Este texto é de autoria de: Maria Inês de Carvalho.

Funcionária Pública - Assistente Cultural - lotada na Biblioteca Nair Lacerda de Santo André/SP

Colaboradora na organização (e a partir de agora participante ativa) dos eventos QUATRO DEDOS DE PROSA que se realizam nas segundas terças-feiras de cada mês.