O Jornal do Zé Nunes

O Zé Nunes, cuja casa ficava no cantinho da Praça São José, logo ao dobrar da esquina à saída de meu beco, além de ter telefone em casa, era dos poucos que assinavam o jornal O Estado de Minas na nossa vizinhança.

Nosso acesso a jornais até então, limitava-se às edições quinzenais do Município de Pitangui, emprestadas pelo Zé Redondo, funcionário da Prefeitura e marido de Tia Nininha, ou, então às páginas avulsas do Diário de Minas, com que os açougueiros haviam passado a embrulhar a carne - por mais econômico do que o usual papel cinza de rolo e, certamente mais instrutivo.

Se não me falha a memória, no ano da graça de 1964, antes até da eclosão do que teimosamente os militares chamavam de Revolução - do Primeiro de Abril - para deter a mancha vermelha no Brasil, dona Nazaré, a nossa cativante professora de Geografia no Ginásio, lançou um programa de transmissão de notícias e comentários, a cada aula que nos ministrasse.

As notícias poderiam vir de forma verbal, ou por meio de jornal. E a sequência era estabelecida com uma certa antecedência.

Sob o enlevo do anatômico relevo da matéria de que eu tanto gostava - e o da mestra de quem eu gostava ainda mais - acabei-me esquecendo que meu dia de Eron Domingues, ou de Bonner, para os mais e globais jovens, havia chegado, só me dei conta da incumbência no início da aula que antecedia minha chance única de brilhar...

O recurso foi correr ao telefone do Ginásio e pedir a Dona Nair, esposa do Senhor Zé Nunes a cessão temporária da preciosa edição do EM do dia, ou da mais recente. Obsequiosa, a vizinha atendeu e mandou um de seus garotinhos à vizinha casa de meus pais, com o jornal em mão, e transmitir meu pedido de SOS a quem coubesse...enquanto eu me peguei na prece: faltavam 40 minutos e a distância de casa ao Ginásio, no galope, se fazia nuns 20, 25...

E recebi, pressuroso o dito jornal a tempo e a hora, graças à cooperação daquela cadeia de gente boa. Só que minha introdução no universo da informação acabou adiada sine die.

Dona Nazaré, naquele dia, fez forfait.

Trago até hoje o recorte mental do que seria minha leitura. Mas não vou estragar a curiosidade do leitor não...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 13/12/2016
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