A vida como ela é II - O corte de Pano

Seu José e dona Antônia.

Seu José era um jovem que se casara com Antônia, aos 22 anos. Ela já bem mais adiantada na idade, quando casaram, ela já tinha seus 33.

Ele quando ali chegou a procura de emprego, trazia como bagagem apenas uma caixa de madeira com tampa, articulada com dobradiças pela parte detrás e pela frente, uma fechadura, aproximando bem, do que seria uma mala. Dentro desse, abrigava poucos pertences: apenas duas mudas de roupas; um par de chinelo de dedo, solado de pneu – comumente chamado na região de precata, hoje praticamente extinta; um pote de brilhantina e como documento, a certidão de nascimento.

Não tinha cultura escolar, nunca sentou num banco de escola ou teve um professor à sua frente, o pouco que aprendera de leitura, foi sua mãe que o ensinou.

Era um homem simples, de coragem, de palavra, de vergonha, honesto e trabalhador. Não tinha o que oferecer em termos de posses, à sua esposa. Começar a vida de casado do nada, tendo apenas o dia e a noite para gastar como diz, não é tarefa das mais fáceis, mas coragem pra trabalhar não lhe faltava.

Trabalhava sempre de sol a sol, levantando ao clarear do dia e retornando à boca da noite como era comum dizer naquela região.

Os sábados, era o dia de ir à cidade ou ao comércio – como dizia - fazer a feira, era o dia de feira livre, ponto de encontro de toda região, onde se ficavam sabendo das notícias. Ali se comprava o complemento para o sustento da semana – um pedaço de carne, o toucinho, o feijão, a farinha, a rapadura, etc e o querosene para abastecer as lamparinas.

Arreava seu cavalo e saia antes do sol nascer, retornando sempre à tardinha. Não existia automóveis por àquelas bandas, o animal era o único meio de transporte mais rápido que existia. A cidade ficava umas 6 (seis) léguas dali, algo em torno de 24 quilômetros.

Apesar das dificuldades, apesar do seu jeito simples e humilde, do seu jeito enérgico, do seu jeito meio grosseiro, meio rude, ele fazia parte daquelas pessoas carinhosas, românticas e sonhadoras, embora não demonstrasse isso.

Certa vez, ele resolveu fazer um agrado a sua esposa. Não havia lhe dado nenhum presente, pois o dinheiro era apenas a conta de comprar os mantimentos. Pela primeira vez, havia lhe sobrado uns trocados, fruto da venda de algumas arrobas de algodão.

Entrou numa loja de pano e comprou um corte de pano, tamanho suficiente para fazer um vestido. Escolheu um estampado florido que lhe agradou aos olhos e que, imaginou que ela fosse gostar. Assim, resolveu logo seus compromissos e se encaminhou à viagem de retorno, não via a hora de entregar o presente.

Mas ele na sua simplicidade, no seu jeito meio rude de ser, não sabia como se comportar e entregar o presente a ela, não tinha jeito pra isso, ficou imaginando como fazê-lo.

Chegando em casa, como era de costume, retirou o alforge da sua montaria e colocou sobre a pequena mesa de madeira na sala e foi desarrear o animal e soltá-lo na pastagem. Ela então, como fazia sempre, foi logo retirando as coisas, os mantimentos do alforge e deparou com àquele corte de pano...

Ela sempre fora uma mulher independente, desde muito nova, já tinhas suas economias, plantava sua roça, colhia seu algodão, descaroçava, fiava, tecia, bordava e costurava, era uma mulher prendada.

Além da sua personalidade forte, era uma mulher de pés no chão, movida pela razão, sentimentalismo e romantismo era algo que não combinava com ela, era mais prática, além de ser um tanto quanto mandona.

Assim que ele entrou, ela já com o pano nas mãos, lhe perguntou:

-Que pano é esse?

- Um corte de pano que eu comprei para você fazer um vestido - respondeu ele.

- Você nunca mais gaste dinheiro comprando isso - respondeu ela. E sem mais delongas, deu meia volta e foi guardar os mantimentos.

Profundamente decepcionado, ele não teve reação alguma, apenas sentiu na alma, como chibatadas de chicote de couro cru, a dor do desencanto... Naquele instante, sob o eco daquelas palavras tão insensíveis, ele sepultou dentro de si os seus sentimentos de romantismo.

Foi um preço muito alto que ele pagou para conhecer um pouco a mulher que escolhera para companheira

Seguiram-se na vida à dois. Ela nunca fez o tal vestido e ele não mais comprou-lhe presente algum.

Com o tempo ele compreendeu que ela gostava de comprar suas coisas, não sabia receber um presente, nem ser amável, nem demonstrar carinho. No entanto, era uma grande companheira, fiel às juras que fizestes a ele em frente ao altar, sempre zelosa, cuidadosa, esposa exemplar.

Imagina-se que o lado doce e romântico que ele esperava encontrar numa mulher, ela nunca pode oferecer;

Imagina-se também, que ela nunca percebeu que naquele dia ela o tenha ofendido.

Viveram-se por quase 60 anos juntos, até que seu José foi primeiro para o andar de cima.

06/12/2016

Menino Sonhador
Enviado por Menino Sonhador em 06/12/2016
Reeditado em 31/10/2021
Código do texto: T5845760
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