Os velhos
Os Velhos
Autor: Paschoal Villaboim Neto
Atendendo as especificações do Concurso de esquetes 2003, procuramos soluções cenográficas e iluminação, compatíveis com a agilidade requerida para 8 esquetes por dia.
Cenário-: Palco vazio com alguns elementos esparsos: Um relógio sem ponteiros, um tapete velho, sofá cambaio. Enfim, qualquer tipo de elemento que caracterize uma casa sem cuidados.
Figurinos: Homem de pijama do tempo do onça, gorro, meias de lã, chinelos.
Mulher de saia de lã, cachecol, chinelos, touca etc...
Iluminação: Cruzada sobre os velhos sentados num sofá.
Voz Off
O casal não mais lembrava quando se conheceu. Só eles moravam naquele prédio que já tinha sido interditado fazia muitos anos. As mazelas dos dois eram diárias. Naná sofria de dores lombares. Juvenal de flatulência e azia.
- Ai Naná, eu sinto que estamos ficando velhos. Há dias que não vou ao banheiro. Me sinto podre.
- Nem me diga, eu não quero ver o que vem por aí. Da ultima vez que você esteve assim, não havia descarga que desse jeito. Se você obedecesse a dieta, não estaria assim. O médico já cansou de falar. Tem que comer fibras, fibras!
- Fibras eu não como, já disse. Cavalo é que gosta de alfafa.
- Ai Juvenal, você não se convence que está velho, que infelicidade gente teimosa. Eu nunca devia ter deixado a casa dos meus pais. Mas não, fui casar com este traste. Oh, sina. Minha vida daria um “Bestseller.”
- Que dia é hoje? Hoje não é segunda? Meu Deus, que horas são? Eu tenho que trabalhar.
- Ai, você acaba me deixando louca. Porque você não deita um pouco?
- Cadê o meu terno? Eu não já disse que ele tem que estar sempre à mão?
- Você está aposentado a 30 anos, infeliz!
- Diabo! Você tinha que me lembrar, infeliz? Você é cruel, Naná. Só abre a cumua pra me diminuir, me achatar. Nunca mais te dou massagem nas costas. Pode urrar de dor que nem é comigo.
- É um favor que você me faz. Esses dedos nodosos só me machucam; parece até que você faz de propósito. Escuta, Juvenal: Por que a gente não se interna? Temos algumas economias; só faço questão de quartos separados.
- Lá vem você de novo com essa história de asilo. Quantas vezes eu já te disse que não sou lixo?
- Se pelo menos tivéssemos filhos... mas você nunca quis, velho egoísta. ( Pausa ) - Juvenal, lembra do nosso pacto?
- Que pacto criatura?
- De morrermos juntos.
- Morra você. Eu vou até os cem anos. E depois, eu sou espírita.
- Então? Você morre agora, depois volta. Até mais bonito. Enquanto isso você vai ficando por lá. Vai poder comer de tudo e muito melhor. Você mesmo é quem diz que as coisas lá em cima são de muito mais qualidade. Mas você não morre, não é Juvenal? Você não larga o osso de jeito nenhum.
- Falar nisso, cadê o Limpinho?
- Ele não vai vir mais. Nós vamos morrer de fome.
- Olha, Naná, até agora eu estava levando tudo com muita paciência, mas paciência tem limite, liga para ele já.
- Você sabe muito bem que este telefone está quebrado há anos. Desde que fizemos o trato com o Limpinho. Nós não queríamos ver ninguém, lembra?
- Desgraçada. Sempre me sabotando. Tudo por baixo do pano. Assim foi me afastando da família, me indispondo com meu irmão, a única pessoa que me amava. Sabe por que eu nunca deixei você ter filhos? Porque você seria péssima mãe.
–Pára de ser hipócrita, velho. Você nunca quis dividir nada. Desde a época de namoro, sempre um túmulo. Dissimulava tudo, mentia descaradamente, até tua família te achava um sonso.
- Você é uma santa, Naná. Eu sempre um monstro! Barrando teus sonhos, invejando tua inteligência, tua sensibilidade, te frustrando, não é mesmo?
- Isto mesmo, você sempre solapou as minhas realizações. Nunca ouvi de você uma palavra de incentivo. Você se fechava morto de inveja. Você é mau, Juvenal! E eu um traste cuidando dos teus achaques, lavando as tuas cuecas borradas, esquecendo que existo.
- A culpa é tua, Naná. Você jogou a tua vida fora porque quis. Que burro que fui em não ter pulado fora.
- Você não pulou fora porque você sabia que não ia encontrar outra pra ser tua escrava.
- Eu tive pena de você. Ia ficar perdida no mundo.
- Tadinha de mim, não é Juvenal?
- Tadinha mesmo
- Asqueroso!
- Velha histérica
- Doente
- Porca
- Filho de primos
- Estéril
- Por que você não morre, infeliz?
- Naná, estou com fome.. Lembra da minha azia, o meu estômago é muito sensível. Liga para o Limpinho
- Você já comeu muito na vida, Juvenal. Já pensou como seria bonito você decidir quando morrer? A Morte só viria quando você mandasse. Você que a vida inteira foi um João Ninguém, seria agora um Deus.
Eu tenho uma idéia. Que tal se nós fôssemos nos comendo aos pouquinhos? Um dia eu cortaria um dedinho, você me daria outro, depois uma orelhinha, quem sabe,e assim a gente ia levando. Que tal?
Voz Off- A idéia não era de todo ruim. Juneval poderia roer todos os ossinhos que, sem dúvida, lhe fortaleceriam os dentes. A fome ia apertando dia a dia e, a proposta de Naná, cada vez era mais tentadora. E assim eles foram se mutilando.
No final de um mês, só restavam os olhos de Naná e de Juvenal que continuavam a se olhar de uma forma reprovadora. ( Durante esta voz off, Naná e Juvenal estão congelados se olhando. A luz vai caindo lentamente em resistência até black- out ).
Paschoal Villaboim