930-BART, BEKERLEY E OAKLAND-Viagens

Meu relógio biológico – e também o de Enny – estava completamente transtornado devido à longa viagem de BH a San Francisco e a diferença dos fusos horários. Meu organismo ainda não assimilara os novos horários e no sábado de manhã acordei cedo, embora tivesse ido deitar bem de madrugada. Quando levantei-me, Enny já estava de pé.

Ela olhava para a cidade, da janela do oitavo andar do hotel onde estávamos hospedados.

Abracei-apor trás e ela se aconchegou, dizendo:

— Ai, que vontade de ficar na cama até meio-dia. Mas acordei elétrica, não consegui permanecer rolando entre os lençóis.

— Eu também. E estou com uma fome danada!

Aprontamo-nos e descemos para tomar o café. Encontramos uma lanchonete onde um chocolate quente com dânutes aplacou nossos estômagos.

— Que vamos fazer agora de manhã ? — Perguntei, sem a menor vontade de pensar em qualquer coisa. Enny também não tinha ideia do que poderíamos fazer num sábado ensolarado e frio numa cidade desconhecida.

— Sei lá... Que tal passear de metrô?

— Tá falando sério? Nem sei se aqui tem metrô.

Perguntada pela Enny a loiríssima e gentil atendente que servia nossa mesa informou que sim, tinha metrô e e que a estação ficava a poucos quarteirões da lanchonete.

Fomos, pois, passear de metrô, que é uma das coisas mais simples de se fazer numa cidade da qual nada se conhece.

BART é a sigla do metrô, conforme as grandes letras anunciavam à entrada para a estação subterrânea.

— Bay Area Rapid Transit — eu e Enny lemos quase que ao mesmo tempo, quando estávamos na frente da bilheteria.

Quando entramos no vagão, fiquei surpreso: cadeiras bancos de assento e encosto estofados, ambiente completamente limpo, sem qualquer propaganda, nem mesmo do próprio sistema. Apenas um painel indicativo do percurso e as estações, e, ao lado da porta, um pequeno estojo com um bloco para anotações de queijas e sugestões sobre o serviço. Raros passageiros.

Tomamos o BART na direção ao Norte. Não por opção, mas porque foi o primeiro que passou. O painel no vagão ia indicando as estações. Após atravessar a baia sob as águas, a composição emergiu em Oakland. Fiquei pasmo ao ver a quantidade de vagões de trens de carga estacionados no páteo da terminal da ferrovia e juto ao porto.

Resolvemos ir adiante e desembarcamos na Estação de Bekerley.

— Aqui tem uma das mais importante universidades dos Estados Unidos. — eu disse à Enny, pois já havia lido a respeito muitos anos atrás, quando era assinante da revista Life Inernational.

A Universidade ficava próximo, conforme constatamos no amplo mapa mural na estação do BART.

— Vamos lá? — Enny perguntou-me.

— Sim, parece que é perto.

Era distante apenas 3 quarteirões da estação do metrô. De longe avisamos uma alta torre, quadrada e com relógio.

Passamos pelo amplo jardim defronte ao prédio principal, entramos para o campus, que era um verdadeiro bosque. Pouca gente transitando por ali. Era o período de férias escolares, que nos Estados Unidos decorre no verão, começando na segunda quinzena de junho, vai por julho e termina no final de agosto.

Seguindo as indicações (como tudo aqui é muito sinalizado!) fomos até um parque de cultivo de eucaliptos, onde se encontram exemplares de 287 espécies de eucaliptos do mundo inteiro. Deliciamo-nos naquela pequena floresta de altas arvores, arbustos e espécies rasteiras.

Preferimos passear pelos jardins do campus a entrar em alguma escola, mesmo porque a maioria estava fechada. Demos uma entradinha na biblioteca (que, segundo informação no saguão, é uma das cinco bibliotecas daquela Universidade) e saímos rapidamente.

Estava muito frio. Enny vestia um casaco confortável, mas eu me sentia desconfortável usando apenas um paletó leve como agasalho. Saímos da Universidade e encontramos uma loja para procurar um agasalho mais condizente com o clima de então.

Comprei um casaco confortável e quente, forrado com uma suave pelagem que não sei se era de animal ou artificial. Este casaco me acompanharia por mais de 20 anos e era conhecido como “casaco de San Francisco”. Lembrei-me, então de que Mark Twain havia dito que “ em San Francisco ele vivera o verão mais frio de sua vida”.

Tomamos de novo o BART, agora já retornando para San Francisco. Eu ficara curioso a respeito de Oakland e o porto e quis desembarca naquela estação e se possível visitar o porto (oh, santa ignorância de marinheiro de primeira viagem).

A estação do BART ficava no centro da cidade ou downtown, como dizem os americanos. Descemos e estávamos numa enorme praça com jardins constituídos apenas de grandes canteiros gramados. Nada de árvores ou flores.

Nos bancos, diversas pessoas: negros na totalidade, e com aspectos de indigentes. Eu e Enny caminhamos por algumas ruas e avenidas, e sentimo-nos desconfortáveis. Lojas fechadas, apenas um restaurante de portas abertas.

-Vamos tomar um lanche? — pediu Enny.

Fomos. Empurrei a porta e a segurei aberta para Enny entrar. Uma voz autoritária do fundo do salão ordenou:

— CLOSE THE DOOR!

Eu e Enny ficamos peto da porta, examinando o ambiente: um longo balcão com banquinhos altos, ocupados por negros. Ambiente de Hollywood em filmes de racismo.

Enny não gostou nem um pouquinho.

— Vamos embora!

Saímos imediatamente.

— Que lugar esquisito!

— É. Parece que o bairro todo aqui é de negros. — Eu tive a sensação de que ali não era lugar para turista, e muito menos para brancos .

Próximo ao restaurante, num ponto de ônibus, parou um com a indicação SAN FRANCISCO. Subimos no ônibus e encerramos nosso périplo por Oakland.

Dias depois, conversando com o professor do curso, ele me explicou:

— É uma cidade portuária. Tem muita gente trabalhando no porto. Serviço pesado e barato. Muito, muito negro. Não é lugar prá branco passear.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2016.

Conto # 930 da Série 1.OOO HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/12/2016
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