VENDE-SE UMA VIDA

1, 2, 3, 4 ou mais? Quantos copos de vodka já bebi? Não sei ao certo, mas poderia beber mais mil. Afinal, como posso tapar esse buraco dentro de mim?

É mais uma manhã de sábado, o sol raia com receio. O céu estava de bronze. O céu estava barroco.

Hora de trabalhar, não? Sim, é. Visto minha bota que calada me espera em baixo da cama, apanho o cigarro que dormia tranquilamente sobre a cabeceira da cama e sigo meu caminho até a fábrica. Chegando na porta da empresa, lanço fora meu querido amigo cigarro e apresento-me para o segurança. Aproveitando cada passo que tenho antes de começar minha rotina de tortura, vago lentamente por entre as máquinas de vapor. Por alguns segundos, paro durante o trajeto e espero que o vapor condense-se em minhas bochechas. Engodando minha própria mente.

Pano vai, pano vem, pano corto, pano jogo fora, pano acaricio, pano maltrato, panos, muitos panos. É só mais uma indústria têxtil.

Depois de longas horas agindo feito um fantoche, penduro meu crachá. Chego em minha casa. Esfregando os pés retiro minha querida bota, e em um pulo, deito na velha cama. Puxando minha vazada carteira, abro-a e contemplo a foto de minha esposa e minha filha que, a centenas de quilômetros daqui, se ausentam de mim.

Desviando para a cozinha, abro minha geladeira que, a tempos, estão servindo de armário. Procuro qualquer coisa que possa me fazer esquecer que ainda existo, mas não achei. Com a falta de eletricidade, saco o isqueiro e acendo o velho e tão querido lampião para poder saquear o porco que enfeita o armário. Está vazio, acho que o Sr. Fagundes irá pendurar mais essa.

-Por favor, quero esquecer que minha vida é uma farsa e quero chorar por não ter minha esposa e minha filha. E também me dê uns torresmos bem sequinhos. – digo ao dono do boteco.

Choro.

Volto pelas ruas tranquilas e serenas. As estrelas do céu estão escondidas, também devem ter medo de mim. Está tudo tão escuro, está um verdadeiro breu. Meu olhos dilatam-se ao máximo em busca de qualquer feixe de luz, mas as únicas luzes que vejo, são as que minha mente me projeta. Ah, o isqueiro! Acendo o isqueiro e me localizo, próximo à praia. Ora, porque não, não é mesmo? Vou nadar um pouco para esquecer o dia que amanhã me espera.

Enfim sozinho, no mar, estou sendo mais sozinho do que tenho sido durante esses 3 anos. Quero muito que o dia sucessor não venha, que viva eternamente essa quietude do oceano. Onda vai, onda vem, onde me afoga, onda me joga, onda me derrota, ondas, muitas ondas. Para onde elas me levam? Ao certo, não sei; saberei que uma vida, melhor do que aqui terei. Morrer em pleno mar, seria sorte ou azar? Se a Deus não encontrar? Ou o inferno me tragar? Seria só um pretexto, para aqui não mais ficar. Olá morte, há tempos quis te encontrar.

Lucas Gabriel Fernandes
Enviado por Lucas Gabriel Fernandes em 22/11/2016
Código do texto: T5831564
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