Vida de Casado - A Cama
- Amorzinho, chega um pouquinho pra lá - disse ele com a voz pastosa de quem acaba de acordar já com a intenção de voltar a dormir.
...
- Amor, amorzinho, chega um pouquinho pra lá. Eu tô na beiradinha da cama - insistiu o marido.
- Que foi Alberto? - finalmente despertou a mulher, muito embora a sua voz revelasse uma certa irritação que, quando vinda de uma mulher depois de dezessete anos de casamento, causa um certo terror em que a ouve.
Chega um pouquinho pra lá, amorzinho, eu estou quase caindo da cama.
- Carlos Alberto - e a voz agora deixava bem clara a irritação da mulher - você está no meio da cama, no M-Ê-I-Ô da cama, eu é que estou toda espremida no meu canto fazendo o milagre de dormir e me equilibrar ao mesmo tempo!
O marido sentiu um calafrio subindo a espinha quando a mulher falou "Carlos Alberto", afinal de contas em situações normais isso não era um bom sinal, às duas horas da manhã então significava que iria acontecer alguma coisa mais do que uma simples "chegadinha pra lá". Mas já que estavam os dois acordados não tinha como voltar atrás:
- Nhonhonzinha - ele usou o apelido carinhoso em uma tentativa desesperada de que as coisas não piorassem - é que eu...não...bem...eu não...estou no meio da cama...eu...eu... - mas não conseguiu terminar de dizer o que nem ele sabia o que queria dizer.
- Carlos Alberto - e agora ela já estava sentada na cama - você está no meio da cama! Caso você ainda não tenha percebido há séculos você ocupa mais da metade da cama porque você está gordo! GORDO! Há mais de cinco anos eu divido a cama com um leitão pronto para o abate! Você ocupa mais da metade da cama! Quando você se deita suas banhas se espalham para os lados e me empurram, eu disse ME EMPURRAM para o meu cantinho e agora você tem a desfaçatez de me dizer que eu, EU, sou a responsável por você estar quase caindo da cama? - desabafou a mulher sentada na cama, com os cabelos desgrenhados e comprovando a tese de que chamar o marido de "Carlos Alberto" às duas da manhã realmente era o prenúncio de algo grave.
- Nhonhonzinha - o apelido carinhoso aquela altura era uma tentativa desesperada do Carlos Alberto de que a mulher ficasse mais doce - eu sei que eu estou um pouquinho fora de forma...
- Um pouquinho, um pouquinho? Carlos Alberto - o marido percebeu que a estratégia da "Nhonhonzinha" não tinha dado certo - você tem a cara de pau de usar a palavra "pouco" no diminutivo? Você está parecendo um mastodonte de tão gordo!
- Mastodonte? Eu pensei que ainda estivesse na fase do porco - foi uma tentativa frustrada de descontrair o ambiente que infelizmente não deu certo.
- Carlos Alberto, você sabe há quanto tempo eu não durmo direito? Você sabe há quantas noites eu tento me virar na cama mas sou impedida pela sua barriga esparramada pela cama? Você tem a mínima ideia do que é dormir exatamente na mesma posição há não sei quanto tempo? Você, Carlos Alberto, já percebeu que o seu lado da cama está inclinado por causa do seu peso? Ah, não, claro que não, afinal de contas você deita nessa maldita cama e em menos de cinco minutos está roncando feito um porco de cem quilos sendo abatido da forma errada.
Mas Nhonhonzinha...
- Pára de me chamar de Nhonhonzinha!!!!!! Você acabou com o meu sono, Carlos Alberto, e tem a petulância de me chamar por esse apelido rídiculo! - sentenciou a mulher com um olhar de quem acabara de fazer uma revelação.
- Ridículo? Mas é o nosso apelido carinhoso desde a época de namoro...eu achava que você gostava - Carlos Alberto estava realmente chocado.
- Eu O-D-Ê-I-Ô esse apelido. "Nhonhonzinha" é ridículo, é patético! Eu inventei um apelido para contar para as minhas amigas. A Marluce e o Eduardo se chamam de Dengo e Denga, a Maria Clara e o Beto se chamam de Fofinho e Fofinha. Notou a diferença? Aí um dia quando me perguntaram como a gente se chamava na intimidade eu tive que inventar um apelido que não fosse fazer as pessoas cairem na gargalhada.
Poxa, amor, eu achava que você gostava de "Nhonhonzinha"...
- É, e você também acha que a culpa de não conseguir se virar na cama é da sua mulher e não dão seu peso mastondotesco - disse ela sem ter certeza que essa palavra existia - há anos eu aguento essa coisa de "Nhonhonzinha" pra lá, "Nhonhonzinho" pra cá...Carlos Alberto, o que você achava que acontecia quando a gente estava transando e eu estava chegando ao orgasmo e você dizia ""Nhonhonzinha, vou gozar"? VOCÊ GOZAVA e eu...eu...depois de ouvir o "Nhonhonzinha" simplesmente aguardava pacientemente o "Nhonhonzinho" - e esse "Nhonhonzinho" foi dito com um proposital tom de deboche - gozar porque pra mim já tinham acabado as esperanças de ter um orgasmo, um orgasminho sequer, uma mera cosquinha!
Carlos Alberto estava visivelmente chocado. Na mesma noite foi chamado de leitão pronto para o abate, mastodonte, descobriu que sua mulher detestava o apelido carinhoso que usavam há quase vinte anos e, o pior, que muitos dos orgasmos da mulher foram fingidos só por causa de uma palavrinha besta: "Nhonhonzinha". Aquilo o deixou realmente bravo:
Quer saber de uma coisa Maria Beatriz? - agora foi a vez da mulher se assustar quando o marido a chamou pelo nome duplo - quer saber? Quer saber mesmo? Eu vou dormir! - e se virou para o seu cantinho da cama deixando a mulher sem ação.
E quando já estava quase dormindo despertou num sobressalto e falou em alto e bom som:
E você também ronca! - dito isto finalmente adormeceu.
Maria Beatriz se resignou a se acomodar no pequeno espaço da cama que lhe cabia e agradeceu baixinho que o marido não tivesse perguntado qual o apelido carinhoso que ela inventara para as amigas. Certamente ele não ia gostar de "Pompomponzinho" e "Pompomponzinha". Ora bolas, foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça. Adormeceu e ainda dormindo conseguiu se virar e dormir abraçadinha com o seu Pompomponzinho.