Sereia da Ilha das Palmas
Olha, eu não sei vocês, mas eu gosto de sentir o gosto das coisas inusitadas, das surpresas, das descobertas.
Hoje eu fui assistir um Sarau, tudo muito chato, tudo muito igual, mas não haviam muitos conhecidos além dos inevitáveis.
Quando acabou o Sarau, quem quisesse poderia ir ao palco e ler algo de própria autoria (ou não). Confesso que eu nem tava vendo isso, eu estava sentada longe, bebendo. Um conhecido meu veio me dar oi e etc, como manda o figurino, perguntar como vai a vida e lá lá lá, quando uma Senhora se aproximou e ele a chamou de Senhora da Ilha. Ela, com sua simpatia inigualável, se juntou a nós e ficou uns bons minutos falando da sua vida, dos 15 aos 53, alternando as falas entre suas historias e seus poemas. Eu via nos olhos dela um brilho, sentindo-se ali amada, querida, pois éramos quatro jovens atentos a qualquer palavra sua, antiga, desgastada pelo tempo, mas sem pó algum.
Confesso mais uma coisa, seus poemas não me agradavam (ta, eu não sou muito chegada em poemas), falavam sempre da tal da Ilha das Palmas, que pelo visto é onde fica a maior parte dos seus dias, com suas rimas sobre pescadores, peixes, sereias (como ela, que se autodenominava uma sereia), amores passageiros, mas uma coisa me atraiu, a Sereia não gostava de escrever sobre as dores do amor, dizia que aquilo não era coisa pra dar pro outro ler, não era justo, afirmava impunemente que de tristeza não se deve falar. Para ela escrever era estar onde quisesse, ter o homem que preferisse, como fez uma vez quando viu um pescador na beira da ilha, arrumando suas redes, e o fez seu, inventou um amor maior que o mar.
Enquanto ela contava, meus ouvidos se desligaram de tudo que passava ali, e eu observava cada ruga, cada traço riscado fundo pelos anos na pele dela, suas mãos de dedos grossos, seus olhos arregalados com um pouco de maquiagem cuidadosamente passada para embelezar a alma e colorir a vida.
Pelo tardar da hora os meus amigos tinha que ir embora, e fui me despedir da Dona Sereia, ela me pegou forte no braço e me encarou por uns segundos com um sorriso esguio no rosto.
- Ai menina, te conheço não sei de onde...você sabe? Tenho certeza que te conheço, menina, você não acha?
- Poxa, não sei não
- Tenho certeza, conheço você...hmm, deixa eu pensar.. não sei..
- Olha, queria lhe pedir um favor, posso?
- Claro menina, claro..
- Queria que você me escrevesse
- Escrever? Claro, quer meus poemas? Me dá teu CEP.
- Não, não, não quero teus poemas, quero só que me escreva.
- Ah, mas do que você gosta?
- Gosto da vida, do cotidiano, quero que me fale de você
- Ahhh, claro menina, pode deixar, vivo viajando, vou lhe escrevendo, me dá teu CEP, teu endereço.
- Você tem um papel e uma caneta?
- Tenho, só um momento. Olha, vou querer que você me escreva também, está certo? O CEP, coloca teu CEP ai.
- Certo, então ta, espero tuas cartas, até mais.