Enfim Flores Pra Maria do Céu

Depois de  dois anos de namoro e um de noivado, Maria do Céu casou-se conforme o figurino da sua época e virgem. Perdeu o seu adorado Zeca poucas semanas antes de completarem bodas de cobre. No total foram (quase) onze anos de muito amor e quatro filhos, todos meninos e o orgulho do Zeca.
A pensão não era o suficiente e assim a Maria do Céu engoliu o pouco orgulho que tinha, arregaçou as mangas e foi à batalha para dar mais conforto à sua família.
Uma amiga lhe contou sobre a vaga de emprego na floricultura do Sr. Amaury que era a única da cidade. Alguns dias antes da entrevista, essa mesma amiga lhe mostrou como fazer um arranjo simples, um buque de rosas e alguns laços. A Do Céu praticou muito e no dia da entrevista, o Sr. Amaury pareceu  gostar muito daquela jovem senhora recatada, principalmente do seu jeito de lidar com as flores, vasos e laços. A Do Céu recebeu elogios e ganhou o emprego. Bateu o seu primeiro cartão de trabalho  da sua vida na manhã seguinte.
Sua vida era uma verdadeira via sacra. Logo as quatro horas da manhã ela começava o batente fazendo bolo de fubá para o cafe da manhã dos seus meninos. Enquanto o bolo assava, sua barriga ficava colada ao tanque e suas mãos mergulhadas naquela  água fria. Bolo quentinho na mesa já posta, roupa no varal e a Do Céu tentava dar um jeito naquela casa antes de acordar o seu pequeno batalhão. Tinha que ter comando total, ser sargenta, se não, nada funcionava direito no seu lar doce lar.
Após o café da manhã, aquela mulher pegava o caçula no colo, segurava a mão do segundo mais novo e pedia para os dois mais velhos darem as mãos e lá iam os cinco rumo à creche, depois à escola do mais velho e finalmente chegava à floricultura, ainda com muito fôlego para um segundo turno de muito trabalho.
Assim era a rotina da Do Céu por anos e anos até  seus meninos viraram homens e lhe pediram que parasse de trabalhar. Eles argumentavam que não havia mais necessidade para a mãe trabalhar. Mas a Do Céu não dava ouvidos ao pedido dos filhos. Uma vez que aprendeu a ganhar seu próprio dinheiro, nunca mais quis depender de ninguém. 

                    
Com o passar do tempo, a cidade cresceu e ganhou mais três floriculturas. Mesmo asssim, a floricultura do Sr. Amaury era a mais solicitada para  casamentos, batizados, todo tipo de festa e também os velórios. Não importava se suas flores eram para o rico ou pobre, a Do Céu sabia fazer o arranjo certo, pelo preço justo para cada cliente. Ela foi aprendendo como agradar a sua clientela com o passar do tempo. Fazia muito tempo que tinha deixado de ser aquela aprendiz sem muito expertise. Sozinha  foi desenvolvendo suas habilidades e técnicas para  montar os arranjos mais lindos da cidade e redondeza.

                   

Ela passava o dia todo na maior paz entre flores, plantas e terra. Entre uma  encomenda e outra, a Do Céu tratava dos vasos na loja. As vezes, fazia novos vasos com as mudas, principalmente o  vaso  de  Sete Ervas que era muito procurado pela mulherada para trazer sorte e tirar mal olhado. Era tão criativa e produtiva que o Sr. Amaury entregou a loja em suas mãos e se aposentou. Seu salário teve um aumento bem generoso  e Do Céu passou a ter mais recursos  para criar seus meninos com um pouquinho de luxo.
É óbvio que quando seus filhos ficaram grandinhos, as propostas decentes e até indecentes começaram a surgir. Inúmeros homens da cidade admiravam aquela mulher que se dedicava somente aos filhos e trabalho. Mas ela não queria saber de ninguém nessa altura do campeonato onde ela estava em vantagem e sem ter tido auxílio algum. Os únicos homens que ela queria em sua vida eram os filhos. Quatro homens já não eram o bastante para uma só mulher cuidar?
Todo sábado depois do expediente, a Do Céu fechava a floricultura mas antes de ir para casa, ela ia para os fundos da loja e lá, enquanto  montava um arranjo simples mas muito bonito com cravos vermelhos e brancos para levar para o seu Zeca lá no Cemetério Municipal, ela ouvia alguma canção do Amado Batista no programa de rádio dedicado ao seu cantor predileto.

                      

Entre uma cançaõ e outra do Amado, a Do Céu capricahva  na montagem do arranjo. Ela lembrava do Zeca e  o quanto  ele adorava assistir o seu Internacional jogar. Até  tinha levado os dois filhos mais  velhos a um jogo que jamais esqueceram. Voltaram berrando a vitória do Inter pela rua de casa. Os meninos não cansavam de  contar à mãe  tudo que fizeram juntos naquele dia ao lado do pai. Foi o dia mais trilegal da vida deles. Aquela lembrança veio tão viva à sua memória que as lágrimas inundaram  seus olhos e um aperto bem forte veio ao seu coração. Que saudade maldita essa que trouxe tamanha dor ao seu peito. Ela já havia sentido uma dorzinha antes mas essa era bem maior e não queria cessar.
A Do Céu tentou sentar mas não conseguiu chegar até a cadeira. Ela caiu naquele chão frio e lá ficou.  
Os meninos ficaram preocupados com o atraso da mãe naquele sábado. O mais tardar que a Do Céu  chegava eram 19:30. Quando  já passavam duas horas do seu horário habitual, resolveram então ir até o cemetério. Não a encontraram, nem o arranjo de cravos vermelhos e brancos que ela deixava sagradamente todo fim de sábado à tarde no túmulo do pai. Começaram a pensar no pior.
Só foram encontrar a Maria Do Céu vinte minutos mais tarde nos fundos da  floricultura segurando na mão direita alguns ramalhetes de cravos vermelhos e brancos.
Em toda sua vida, Maria Do Céu nunca recebeu uma só  flor se quer. Ela fazia arranjos, buquês e vasos lindíssimos para encher os olhos dos outros e perfumar suas vidas. Seu marido nunca tinha dinheiro para  lhe  dar flores. Cada centavo do salário do Zeca tinha destino certo:as compras do mês e outras necessidades. Os meninos achavam que a mãe havia se enjoado das flores por causa do contato diário com  elas há tantos anos,  portanto davam outros presentes como perfume, livros sobre jardinagem, roupas e sapatos no seu aniversário e outras datas.
Demorou, mas no dia do seu velória, Maria Do Céu  finalmente recebeu suas flores, assim como todos nós receberemos um dia.

                    
Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 17/11/2016
Código do texto: T5826192
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