Enquanto se esgueirava pelos corredores do provador  ela  passava por cabines  lotadas  ouvindo conversas paralelas de  outras meninas trocando opiniões, chamando as mães, dando risadinhas e tagarelando bobagens.  A  música tipo bate estaca soava altamente estimulante, e a vontade de ser parte daquela festa aumentava, chegava a doer no peito tamanha era a inveja e desejo.
A decoração sempre encantava, gente com os braços cheios de  vestidos, blusas, saias e aquele aroma gostoso de algum perfume suave e envolvente que só as lojas possuem. Cheiro de coisa boa e felicidade Mariana pensava, e os olhos brilhavam como os de qualquer adolescente.

No provador as  peças  se amontoavam nas araras, sem condições de comprar qualquer coisa  mas seguindo o incontrolável prazer de estar ali naquele mundinho de faz de conta de um grande shoopping, ela cumpria seu ritual de fim de semana.
Sorrateira sempre entrava  no local sem que ninguém a notasse, sentia  os olhares dos  seguranças acompanhando cada movimento e sabia evita-los. Aguardava  o momento certo para  entrar nos vestiários, aproveitava  a confusão e descuido das vendedoras.
Escolhia uma cabine e perdia horas se olhando no espelho, sentada naquele espaço diminuto e só dela. O prazer do ar condicionado sempre gelado, o carpete macio e ninguém para mandar fazer coisas bastavam, era ali que ela se escondia da vida.

Sempre terminava o dia num cantinho na praça de alimentação, observando as pessoas apressadas, famílias arrastando sacolas, jovens como ela em algazarra  rindo uns dos outros, idosas em grupinhos animados, gente com dinheiro para gastar, ela pensava. Gente rica.
Bebericando um refrigerante diminuto,  arrependida pelos absurdos cinco reais cobrandos por uns poucos golinhos da bebida quente, sem trocado para um simples pão de queijo e as crianças passavam exibindo sorvetes de casquinha.  Os olhos gulosos nas pizzas gigantes que aquela gente compartilhava com tanta voracidade, as vezes conseguia pegar algumas sobras antes de serem recolhidas. As vezes.

Porque algumas pessoas não tem chance alguma e outras se dão ao luxo de escolher? Nascer pobre  foi falta de sorte, ter um bando de pirralhos pra cuidar quando deveria estar brincando, um castigo conforme a avó resmungava. As  pessoas tinham tanto e ela nada, aquele pensamento martelava sem cessar. E ela estava tão cansada de tudo. Tão cansada.
A  raiva foi brotando devagar e a bebida perdeu o gosto, aquela vida teria que mudar de qualquer jeito e estava decidido. Quando deixou  o copinho de papel cair no piso de granito,  o rosto contrariado da faxineira da praça de alimentação fez surgir um sorriso em seus lábios. O primeiro em meses.

Naquele dia Mariana assaltou a loja de conveniências do posto de gasolina da esquina do shopping  usando uma faca de cozinha,  a filmagem mostrou a figura  frágil da pequenina desferindo vários golpes na funcionária. Eram cinco horas de uma tarde chuvosa. A garota deixou o local caminhando tranquilamente.
Mariana tirou a vida da moça do posto com mais de vinte facadas e levou apenas uns trocados, sem arrependimentos usou para provar  um hamburguer especial  que  sempre assistiu  nos comerciais da tv. 
Este foi o começo de sua  vida no crime,  cara de criança e uma maldade sem limites,  em pouco tempo fez várias vítimas,  todas  mulheres e idosas, sempre abusando da aparente fragilidade para distrair, enganar e roubar.
Terminou da mesma forma rápida e trágica oito meses depois, e ela só tinha doze anos de idade.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 15/11/2016
Reeditado em 01/02/2017
Código do texto: T5824724
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