O barbeiro Bartô.

Quando Reginaldo Rossi morreu, o barbeiro Bartô tomou um grande porre. Se emocionou ouvindo velhos sucessos do cantor e não controlou o choro. No dia seguinte, que era um sábado, continuou com a farra ao som do seu ídolo, e munido de boa aguardente viu o alvorecer do domingo. Ele é assim mesmo, um romântico incorrigível, tem a propensão de atrair para si tudo que é relacionado ao tema do que era pieguice-romântica e hoje chamam breguice. Desde a infância, aprendeu a ouvir e a se identificar com velhas canções de paixão mal resolvidas. Morou ao lado da sorveteria de Zé de Sofia, homem abastado que na década de 1970, colecionava os melhores discos de Waldick Soriano. Bartô identificou-se de imediato com o tema, já trazia a sina de sofrer por causa de amor e desilusão, mesmo antes de conhecer o que fosse paixão ou coisa parecida. É fácil entender a existência dos que gostam de rememorar amores e cantar dores vividas, são tipos sadomasoquistas, mas o sujeito nascer com esse desejo, é matéria que merece alguma observação.

Seu nome de batismo é Jeronimo, Bartô é apelido por se parecer com o cantor do mesmo nome. Tem mulher e filhos, é bom profissional, mas no fim de semana não dispensa a roedeira regada à bebida quente.

Dia desses o Neto Bossa Nova perguntou porque ele gostava de ouvir aquilo, e ele disse que era porque eram músicas românticas, que tinham letra, iam direto ao assunto, sem arrodeio. E o Neto continuou ferroando o homem, disse que aquele tipo de música era feito sob medida para quem tinha era muito chifre. Pegou pesado com o coitado, mas o Bartô conhece a figura e está acostumado às grosserias do inveterado. Frases desse tipo podiam muito bem gerar algum desentendimento entre outros, noutros tempos, mas hoje até mesmo gato e cachorro já nem se agridem tanto. Questão de gosto não se discute, mas as farpas não cessam, porque eles gostam de altercar.

Disse o Bartô no mesmo tom que, quem não nunca levou um chifrezinho é porque nunca gostou de mulher. A indireta não atinge o Neto que é puta velha, mas ele logo retruca que uma coisa é levar e a outra é sentir, levar porrada todo mundo leva, agora ficar a vida inteira chorando não é coisa nem para veado.

- É exclusividade de corno velho mesmo seu Bartô!

É aí que o barbeiro Branquinho resolve se meter no assunto para dizer que o tema da paixão e da desilusão amorosa já foi cantado por muitos dos grandes compositores, desde Noel Rosa a Vinícius de Moraes, só que ninguém diz que é brega. Mas quando um Reginaldo ou um Waldick fala de amores em linguagem clara e sem subterfúgio aí esse pessoal metido a besta da bossa nova aproveita para meter o cacete. O Neto diz que a choradeira é demais, que as letras são de péssima qualidade e a harmonia da música é pobre, sem falar da escrotas vozes dos intérpretes.

Agora são dois contra um, o Bartô se alia ao Branquinho e tentam massacrar o intrometido Neto. A réplica vem como uma descarga e um dos dos aliados joga por terra a voz de Chico Buarque. Porém o Neto não se cala e manda eles estudarem a poesia do homem, se puderem! Letra por letra, poesia por poesia o que importa é a mensagem, contra argumentam. Pensa que só você sabe interpretar? A dor de um será que é diferente da dor do outro? Ora, e se é a mesma dor, deve doer do mesmo jeito, chorar ou não é questão de opção, até cachorro chora de ciúme de cadela no cio.

E a falação deles não vai parar logo, ainda vão dizer que quem não tem cachorro caça com gato, que uma coisa é a linguagem clássica e outra a linguagem chula, que nem todo mundo estudou harmonia superior para fazer dissonância, que uma coisa é ser letrado e a outra é ser versado na alma, que um homem também chora e que quem ama não mata, ou mata em defesa da honra, que nem todos tem o mesmo nível, além de muitas outros disparates que certamente me renderiam mais um conto. Contudo estou certo de que talvez só discutam isso porque eles têm muitas coisas em comum.