CIDADE ALEMÃ
Depois de uma consulta, descobriu que estava perturbado espiritualmente. Quis chorar, mas faltavam apenas 30 minutos para o trabalho, pensou em chorar quando voltar, lembrou que não conseguia dormir direito há mais de uma semana.
Parou de rezar a um mês, parou de acreditar a uma semana. Deu tudo errado, saiu tudo ao contrário. E mesmo assim ele toma o seu café frio como água e segue intacto a imaginar como seria. Da cama para o sofá e do sofá para o trabalho. Ela sussurrou “eu te amo” e ele sequer ouviu, não tirava os olhos de um livro velho e empoeirado, ela levantou e leu o título do livro de capa vermelha; “Lembrança”.
Começou a tomar água benta, a razão ele desconhece. Todo o domingo a sua sogra volta da missa com uma garrafa com três litros de água benta. Ele até pensou em ir num domingo desses, mas sabe como é, o padre fala um monte de blá blá blá, todo mundo repara no seu cabelo, as crianças começam a apontar e ele sai de lá pior do que entrou.
Conheceram-se na faculdade, não rolou nada, o máximo que ele conseguiu fazer foi escrever algumas poesias que ficaram ocultas ou foram entregues a outras mulheres. Ele sempre sofreu disso, nunca conseguiu concentrar as suas atenções em uma única mulher e por isso talvez nunca foi capaz de amar nenhuma delas de verdade.
Sentavam lado a lado no ônibus aos sábados, e ele pensava o trajeto inteiro em algo interessante para falar, talvez pensasse por toda a semana para conseguir uns 15 minutos de um papo agradável. Ela é mais velha, um ano ou até menos, mais isso sempre o deixou preocupado, uma mulher inteligente e todas as outras antes ou depois dela não passavam de um belo corpo com a cabeça vazia.
Mandou uma mensagem “Boa sorte : )”. A entrevista para o emprego estava marcada para as 1 da tarde, foi ele que conseguiu tudo, na verdade foi o primeiro e o único nome que lhe veio à cabeça, fez todo um lance para disfarçar com os colegas de trabalhos, citou outras meninas, parou e ficou olhando com um ar pensativo para o seu celular já ultrapassado.
Chamou três vezes e caiu, celular é um lixo. Na segunda tentativa atendeu com um alô seco, cumprimentaram-se como estranhos, afinal, depois de tanto tempo já agiam como tais. Ele lembrou de tudo ao ouvir a voz dela, do perfume, do olhar, do jeito como arrumava o cabelo, da maneira típica como se vestia, do seu sotaque indecifrável. Lembrou da briga, do tempo em que não se falaram, como olhavam cada um como seu olhar de raiva.
Desligou.
Depois de uma consulta descobriu que sofria de transtorno Bipolar de humor. Quis chorar, mas lembrou que teria que se deslocar de coletivo até em casa. Resolveu comprar os remédios e dar prosseguimento ao tratamento, nada que um filme e duas xícaras de café não o fizesse esquecer. Depakote Divalproato de Sódio.
Lembrou da poesia que escreveu ainda na faculdade, das vezes que trocava os títulos das poesias para que a sua paixão não fosse descoberta, lembrou da vez em que quase a beijou pela primeira vez e sussurrou ao pé do seu ouvido “Apaixonei-me por ti num sorriso, quis avançar entusiasmado nos teus lábios e perdi a coragem no tempo que dura um segundo”. Ela levou da cama e gritou; “Eu te amo”, ele ouviu e despertou em si um sorriso.
Voltou a ser o homem que deveria ser e por fim completou o seu versejar; “Apaixonei-me pelo sorriso mais bonito, distraindo-me e a todo instante te querendo. Vendo tua beleza na minha mente, vendo como é maravilhosa na minha frente”.