Docelar
Docelar tinha uma paixão mórbida de conhecer o conteúdo das cartas que entregava de casa em casa. Contudo, jamais violaria uma correspondência. Era seu princípio mais sagrado. E de Docelar nem o nome sabíamos. O seu apodo, posto por nós decorria de uma marca de doce de leite que, apesar do rótulo, costumava enfarar a quem pela volúpia se deixasse levar...
Mas Docelar não resistia a beirar os destinatários, sobretudo aqueles que recebiam envelopes de borda não verde-amarela, que denotavam virem das estranjas.
Laincasa então, suas paradas eram frequentes. Embora sempre recusando o cafezim que lhe era sugerido, acabava aceitando um copo d´água, que lhe prolongava a permanência, e regava-lhe o ânimo para ouvir alguma confidência.
E nos comprazíamos em satisfazê-lo, com todo zelo. Esta veio da Índia, e é das mais regulares. Aqueloutra é da Bélgica, essaí é do Canadá...E Docelar viajava conosco, caroninha cronometrada, mas sempre sorvida, curtida e ansiada.
Não voluntariava sigilo, mas parecia se vangloriar naquilo: saber o que se passava no coração dos correspondentes e, com alguma sorte, ou ousadia, ver uma foto do povo daquelas bandas do mundo.
E se foi convidado para o casamento, acabou não comparecendo. Ficar sem aquela chusma de envelopes coloridos de não-verde-amarelo é que era horrendo.