Mentiroso

Mentir era errado, sua mãe o ensinara. Pequeno, tentou seguir o conselho materno. Com o tempo, viu que uma mentirinha facilitava as coisas. Em pouco tempo mentia o tempo todo. Era gostoso e facilitava muito sua vida.

Descobriu que com algumas regras podia mentir sobre qualquer coisa. Primeiro, não era bom emitir opiniões nas mentiras, fatos simples eram as melhores mentiras. As pessoas são competitivas, e se puderem, provarão que sua opinião é uma mentira, e consequentemente errada. Ninguém, porém, liga se você falar que carregou trinta laranjas ao invés daquelas dez que trouxe pra casa (e que insistiam em cair da “cesta” que fizera com sua camiseta). Ainda, tinha que contar mentiras palpáveis e, por que não, engolíveis. As pessoas admiram grandes fatos heroicos, mas heróis em tempo integral não existem. Se você salvou, em uma das mentiras, uma senhora de ser atropelada, e gostaram, ótimo. Mas se salva uma senhora por semana, toda semana, a coisa vai aparecer. Mais detalhes serão necessários e perderá o crédito. E, a terceira e mais importante regra, talvez o objetivo para existência das outras duas, é: nunca se prenda à mentira.

O rapaz seguia suas regras com facilidade, até que conheceu Rebeca. A menina apareceu na livraria, esbarrando no ombro do rapaz. Seus olhos se encontraram, enquanto ela se desculpava. Vendo o rosto perdido de Paulo, ela desculpou-se novamente. Perguntou se ele havia se machucado. Ele apenas a olhava. O cabelo, moreno e levemente cacheado, caía pelos ombros descobertos por uma blusinha leve de alças. Os lábios e maçãs do rosto, levemente rosados. Seus olhos, todavia, eram o que prendiam o jovem.

Acostumara-se a mentir baseado no que via nos olhos das pessoas, por ali media o tamanho da mentira, buscando mantê-la na regra. Rebeca era impossível de decifrar. Tamanho foi o choque daquele encontro inédito que Paulo apenas balbuciou em resposta:

– Sim – ao ver a reação dela, corrigiu – Digo, não!

Seu pensamento sempre fora ágil, sua prática na mentira exigia isso. O quanto falar, como falar, como se portar e o que esperar. Ali, completamente perdido, não entendeu como conseguiu, mas logo estava sentado com Rebeca tomando um café no cybercafé, dentro da livraria.

Enquanto se conheciam, sentados, conversando, continuava a admirar o universo de possibilidades daquele olhar. Era como se diversas constelações se sobrepusessem constantemente no céu escuro. Abaixo daquelas confusão e beleza, podendo ser atingido a qualquer momento, Paulo era apenas uma pequena criança que olhava para cima admirando as luzes. Aí vinha o sorriso dela, que parecia um carinho, leve e quente, no peito do rapaz.

Sem notar, Paulo esqueceu suas regras. Como um musculo bem treinado, sua língua soltou mais e mais mentiras. Estava no modo automático. Sem um limite traçado, elas cresceram exponencialmente. O Paulo, de sua conversa, era tão diferente do real, que nem o próprio seria capaz de reconhece-lo.

Apenas quando contou uma mentira impossível, intragável em sua opinião, Paulo notou onde estava. Um nó surgiu em sua garganta. Sentiu vontade de chorar. Talvez ela aceitasse suas verdades, talvez não. A mentira teria sido o problema, ou apenas não ter seguidos as regras? Sabia, contudo, que parte da beleza nos olhos da moça, aquela que ele adoraria conhecer mais, sumiria.

Após poucas horas, tiveram que despedir. Rebeca pegou seu celular e pediu o telefone de Paulo. Ele mentiu o número, seria melhor assim.

– Pegue o seu celular. Vou dar um toque, assim você guarda o meu – Rebeca disse.

O celular dele estava ali, ele tinha pegado algumas vezes para olhar as horas, para mostrar algo interessante (pela internet) para ela, não havia como esconder. Sorrindo ele pegou o celular. Finalmente, ela o pegaria. Teria que contar tudo. Seu telefone não tocou. Ele olhava para ela esperando sua reação, pensando como seria a partir dali.

– Não tocou? – ela olhou para o celular, tentou mexer, jogou o celular na bolsa e praguejou – Merda! Acabou a bateria. Chegando em casa te dou um toque, pode ser?

Ele confirmou com a cabeça. Ela se apressou, deu um beijo em seu rosto, virou-se e foi embora. Nunca mais se encontraram. Nunca, também, a lembrança de ter visto Rebeca carregando o celular, no cybercafé, saiu de sua mente.