A decisão da primeira dama.

É claro que todo mundo sabe, eu sei que todo mundo sabe, mas o caso é que só os realistas como eu se dão ao luxo de expressar o que pensam, sem nenhum medo de censura ou algo que o valha. É certo que os escândalos estão por toda parte, desde a velha antiguidade, e, aqui nesse vilarejo de merda, não é diferente. O interesse nunca sai de jogo, é assim que a banda toca. Foi-se o tempo em que o cabaço de uma moça da sociedade era motivo de desonra e preocupação, hoje é coisa besta e demodê, se falar nessas irrisórias perdas, ou melhor, prazerosas. Veadagem é outro casos que se acentuou de tal forma que parece até coisa de cinema. As mudanças são gritantes e só cego não vê. Tem gente que se faz de cego, mas esses nunca me enganaram, eu sei que eles sabem, estão todos na minha mira. Sei, e ainda estou mais certo de que não somente eu é quem sabe. Como sei e por quem? Não, não é pelo padre, nem pelo delegado nem pelo juiz, que chegam aos meus ouvidos os acontecimentos. Eles vêm pujantes e livres simplesmente pela voz de Deus. Ouço no mercado, na praça da igreja, nas filas de bancos, e olha que não sou muito de conversar nem de interrogar nada nem ninguém. Quando a puta está parindo, quem traz a notícia é o frequentador do cabaré; quando o filho do bacana começa a usar crack, quem divulga o fato é o próprio vendedor do bagulho; quando o chifre começa a crescer na cabeça de um bem comportado cidadão, é o próprio cara que está comendo a digníssima que faz alarde das propriedades subalternas dela, pormenorizando detalhes tais como se a tal geme e o que balbucia nos momentos de êxtase, se tem muita ou pouca lubricidade, se é apertada e coisa e tal.

Assim como tem gente escrota e chata que gosta de falar minuciosamente de acidente de carro, de jogo de futebol, de eleição e de pregação cacete de padre, pastor e macumbeiro; tem também desses que gostam de falar das partes pudendas das madamas, assunto que para mim é de muito mais agrado que todos os anteriores, pela própria natureza da coisa, entende? Você entende. É claro que sim, por que não!?

Não sou indiferente nem demagogo, sou verdadeiro, gosto de ser informado, mas repito que não ando a bisbilhotar nada. Estou na minha, é aquilo você sabe, se o peido começa a feder na redondeza, todo bom nariz presente capta as inalações e nisso não há mistério algum. A novela só faz sucesso se tiver acontecimento que estremeça, que chame a atenção. Isso de vidinha normal, é como comida insossa, não desperta interesse nem quase nenhum prazer, o que importa mesmo são as bombas, os furos de reportagem, os grandes babados, o escândalo, o rolo, o tsunami, a sacanagem.

Sei de gente discreta, gente de boa família onde o escândalo come solto e rasgado. Tenho até pena da depressão da mulher do Ilustre. Este vive com rapazinhos, sem mistérios, sai, volta quando quer a qualquer hora do dia ou da noite, todo mundo sabe que o danado, embora não desmunheque é um passivo. Muito semelhante ao Ilustre conheço outro de bem mais idade e que trilha a mesma estrada. Tem mulher e filhos já casados, o sujeito já é até avô, mas continua na safadeza, na sodomia, e eu digo que ele só pode gostar muito dessa prática. Se eu for falar de casos escabrosos, não posso omitir o da mulher que trabalhava na loja de tecido do Tião no arrabalde. A Tetê peituda, quem diria que ia sem mais nem menos deixar o marido para viver com uma outra mulher? Pois foi e ninguém ignora mais isso por aqui, sapatão e veado são bichos cheios de razão e direitos, a modernidade da lei os ampara, isso é fato e ponto final.

Há os casos de suicídios de homens, de mulheres, gente velha e gente nova pode crer, estes atos extremos são gerados por motivos variados. Isso vem de longe, desde que eu era menino que ouço falar de pessoas que se enforcam por aqui. O desespero os leva a tais desatinos e eu que ainda tenho um certo apreço pela vida, nem gosto de dizer desses infelizes, apenas não compreendo e lamento muito o fim que eles escolhem.

Briga de marido e mulher da periferia ninguém comenta por ser coisa rotineira. Acidente de moto, troca de tiro e roubo também não merecem mais atenção. A coisa tem que ser volumosa, grandiosa estupenda para merecer que lhe citem como algo importante e de relevo.

Por último, ficou bem evidente, o episódio da primeira dama. Quem me divulgou a novidade foi o Nélis, funcionário da prefeitura, cidadão que nunca teve papas na língua, mas sim muita malícia, estrada e amizade com os grandes do poder daqui e além disso é sem-vergonha como ele só. Antes desse grande evento, ele havia me falado da secretária Germania que só anda bem produzida, resolve qualquer assunto de qualquer setor e substitui até o prefeito, já que o vice agora está brigado com o mandatário, vê se pode? Pois bem, a Germania, além de todos os bons serviços que presta ao poder executivo, é a encarregada de contratar mocinhas de outras regiões para os bacanais dos vereadores. Não são menores de idade, não! São moças com poucas horas de programa ainda, entende? Material quase zero bala, cheirando a verniz. Os eventos podem acontecer em sítios isolados, em praias, ou mesmo em hotéis da capital. Tudo muito sigiloso, mas o Nélis esteve certa vezem um deles, e me assegurou que a coisa por ser tão supimpa, é acontecimento quase que semanal. O mandato do poderoso é o último e muita coisa está liberada, largada, como um barco velho à deriva, e eles estão aproveitando para queimar a lenha do refugo.

O Nélis diz crer que o caso da primeira dama se originou exatamente por causa desse das mocinhas que fazem a alegria do legislativo. A mulher do prefeito soube do bacanal e, impressionada com os aparatos do poder, deve ter se julgado ultrapassada e, veja você, não é que desejou ser uma daquelas mocinhas apetitosas dos programas dos vereadores!? Vê se pode?

Pois é, como eu digo, um caso hoje para ser bem contado e chamar a atenção dos ouvintes tem que ser algo retumbante, se não for, não merece atenção. Segundo o Nélis e outros arautos da verdade, a madama-mor quando deseja e quer, pede o carro particular da prefeitura e, leva dois acompanhantes com ela... faz a sua festinha particular com os garanhões que escolhe nas academias, que é para se vingar do marido prefeito que deve ter participado de muitos bacanais com mocinhas mais novas que os acompanhantes dela.... Vê se pode!