PRETO E FEDORENTO
Josenildo toda vida ouviu dizer que em Pernambuco não havia petróleo de jeito nenhum.
A Petrobrás tinha publicado os estudos que foram feitos quando jorrou petróleo em Alagoas, sem que ninguém tivesse cavado nada, porque apareceram uns cabras dizendo que todo o litoral nordestino era rico em petróleo e para desmentir, esses estudos diziam que os sinais que apareceram do dia para a noite, era uma coisinha de nada e que a produção estimada não dava para pagar os custos com a extração e que o petróleo que vinha subindo do Rio de Janeiro até a Bahia, pulava os três Estados e ressurgia no Rio Grande do Norte.
Se verdade ou mentira ninguém, daquela gente miúda e analfabeta, sabia dizer.
Apesar das chuvas mais ou menos regulares, os reservatórios sempre operavam no limite e o sistema oficial de distribuição de água tratada nunca foi garantia de se ter abastecimento regular, tanto que todas as casas tinham cisternas, bombas de recalque e caixa elevada para não ficar refém do serviço salafrário do Estado.
Num domingo de sol forte, Josenildo levou a família para o balneário do SESC na praia de Venda Grande.
No encontro com os amigos e depois de várias cervejas ficou sabendo do loteamento e do início das vendas dos terrenos no local onde existiu a Lagoa do Náutico que, com passar do tempo, desapareceu tanto pelo assoreamento natural quanto pela especulação imobiliária que se encarregou de aterrar o que sobrou da lagoa que era alimentada pelo Rio Jaboatão.
Incentivado pelos amigos e parentes e principalmente pelas cervejas, Josenildo só viu as vantagens em adquirir o último terreno da quadra, de esquina e de onde se tinha visão panorâmica, sem qualquer dificuldade, depois da derrubada de toda a mata do antigo sítio de Dona Maria e de todos outros do entorno da igreja de Nossa Senhora do Loreto, padroeira dos aviadores como ele, que durante o serviço militar chegara ao posto de Cabo da Aeronáutica e que fizera muitos voos naqueles Hércules quadrimotores apelidados de patas-chocas cuja única garantia de sobrevivência era a fé que a maioria tinha na santa...
Casa de praia não precisa de grandes acabamentos, quatro paredes com chapisco caiado por dentro e por fora, contrapiso no grosso esperando o piso cerâmico antes do fim do mundo, teto com travejamento de madeira e telhas canal, cortina de chita na porta do banheiro e, por enquanto, cerca de arame farpado para delimitar o terreno e evitar que o gado solto comesse as mudas recém plantadas de mangueira, jambo, limão Taiti, carambola, abacate e fruta pão.
A dois passos da porta da cozinha, uma trepeça para cultivar horta e por todo terreno da frente da casa, canteiros com margaridas, rosas, papoulas...
Plantas precisam de regas constantes, principalmente em regiões onde a temperatura é elevada e o terreno pobre, mas cadê a água nas torneiras quando mais se precisa delas?
A solução definitiva seria cavar um poço, desses simples, entre oito e doze metros de profundidade, revestidos com cano de PVC e que usam bomba centrifuga de ¾ para jogar a água na caixa elevada. De lá, por gravidade jorraria água em todas as torneiras e a companhia de saneamento que fosse aos quintos dos infernos com as suas faturas mais caras a cada mês, os seus atrasos e faltas d’água.
A escavação ocorria dentro da normalidade até que a partir de determinado ponto começou saindo um cheiro ruim de material em decomposição.
O cabra que foi contratado para fazer o serviço disse que aquele cheiro era normal, que não interferia no gosto da água e que, quando o poço estivesse com os doze metros de profundidade e revestido com o cano de PVC, o cheiro ia desaparecer completamente, mas antes que se chegasse ao lençol freático desejado, o líquido grosso, viscoso, preto e fedorento esguichou pela borda do buraco num jato com quase três metros de altura.
Foi uma correria dos diabos quando alguém gritou que era petróleo e que com toda certeza iria pegar fogo.
Vieram os carros dos bombeiros, agentes da polícia federal, técnicos da Petrobrás, o local foi isolado com muro alto de placas pré-moldadas, vieram também soldados do exército para vigiar o terreno e o sonho da casa da praia, de onde se podia ver a igreja de Nossa Senhora do Loreto, foi definitivamente sepultado com o confisco do terreno pela União e a grossa camada de concreto sobre o poço aterrado às pressas.