FEIRA DE DOMINGO
O relojão da sala ainda não havia dado as pancadas cadenciadas anunciando cinco horas da manhã e seu Matoso já estava, sentado na cama, dando corda no seu relógio de algibeira.
Vistosa e antiga peça de prata, que ganhara de presente no mesmo ano das suas catorze primaveras.
Naquele tempo, em plena juventude, ele contava as primaveras, hoje, muitos anos depois, conta os invernos frios e cinzentos como seus dias de viuvez.
Seu Matoso tateou com os pés em busca dos chinelos, sem olhar para baixo como sempre fazia, mas não os encontrou.
Teria que acender a lâmpada do abajur na cabeceira da cama.
Um dos chinelos estava junto à porta...
Só podia ter sido Bodega, a cadelinha Dachshund que, nesse mês e meio desde a sua chegada, a casa se transformara num parque de diversões para ela e para Frederico, o seu bisneto mais novo.
Nada ficava no lugar e era preciso andar olhando para baixo para não pisar nas patinhas tortas daquela espoleta acesa.
Apenas duas manchas ao lado do focinho e as mãos amareladas contrastavam com a pelagem preta brilhante daquela criatura que mais parecia uma salsicha com duas orelhas e rabo longo e fino.
Seu Matoso pensou que seria melhor aprontar-se de vez porque não adiantaria sair procurando o chinelo que ele não tinha a menor ideia de onde pudesse estar.
Tirou o pijama e com extrema dificuldade calçou as meias, a camisa de manga comprida, vestiu a calça de riscado, ajeitou o suspensório e calçou os sapatos com o auxílio da calçadeira feita de chifre de boi, sua companheira desde que, quase cinquenta anos atrás, comprara-a na feira de gado de Sorocaba, quando ainda era fiscal de trem da antiga Linha Tronco da Estrada de Ferro Sorocabana.
Pegou a carteira de dinheiro na mesinha de cabeceira e tirou do mancebo ao lado da porta de entrada do quarto o seu boné favorito, quadriculado de cinza e preto, no mesmo estilo de Chico Xavier e foi para a copa tomar um gole de café.
Na garagem, tirou do gancho a carriola de duas rodas com saco de lona e foi para o portão, esperar que os feirantes acabassem de montar as suas barracas e que o sol preguiçoso daquela manhã de setembro clareasse o dia.
Hoje, como de costume, ele compraria a palma de banana nanica, meia dúzia de laranja lima, talvez uma caixinha de uva, algumas folhas de couve, um molho de rabanetes e, antes de voltar para casa, comeria um pastel de carne com caldo de cana na barraca da família do seu velho conhecido Kariya san.