Photografia
Photografia
Os antigos indígenas, seguindo as orientações de seus xamãs, tinham a crença de que a photografia era para o aprisionamento da alma. Um instrumento que o nawa tinha inventado para tornar prisioneira a alma livre do índio. E não o deixa de ser. Aquele segundo factual, onde o obturador se abre e o instante de sentimento e ação ficam aprisionados para sempre. Mas nem o para sempre existe, visto que esse para sempre só o seria ate o negativo existir, antes de esmaecer, se perder e por fim, como tudo que possui uma existência sumir. Ela gostava de fotografias. Seus dedos ágeis eram parceiros perfeitos e simbióticos de seus olhos miúdos e ávidos por movimento, luz e cor. Ela via sempre toda espécie de possibilidades quando observava a miúde um ponto possível de captura única. Seus sentidos quase nunca falhavam, e ela sabia que veria pela segunda vez algo simbólico e perfeito. Sabia que o futuro reservava uma nota fiscal imensa ao seu destino, sua conta de imagens era o seu castigo. Ali, não tão longe, percebeu um senhor já de idade, curvava-se sobre alguma coisa no chão como se quisesse pegar algo caído. Seu primeiro pensamento foi ir ao seu encontro, mas instintivamente resolveu observar de longe. Preparou a câmera porque sabia que um bom momento conseguiria eternizar. E Era assim mesmo. Você nascia, crescia, tinha todas as experiências do mundo e no fim você era um ocenao de vida e bagagem acumuladas mesmo sabendo que um dia tudo que fora acumulado e consigo a duras penas viraria pó. “Do pó veio e ao pó voltarás”. Fato. Entrepôs-se entre duas arvores e sentando-se no chão. Colocou a câmera de sobreaviso e esperou o momento certo. Ele era lindo. Estatura mediana e uma alva cabeleira dessas que qualquer senhor teria todo orgulho do mundo, uma vez que a maioria já havia perdido boa parte dos cabelos. Seu coração encheu-se de calor ao vê-lo sorrir e ao mesmo tempo sentiu-se uma intrusa naquele mundo tão particular. Ela adorava gente velha, achava que eram anjos e tinha um carinho muito peculiar por eles. Lembrou-se de seu avô. Alto, magro, curvado e careca, resiliente aos noventa e oito anos. A fortaleza em pessoa, Sorridente, crente e muito inteligente, era o típico professor Pardal, desmontava tudo para montar de novo na sua oficina de cacarecos. Jamais o esqueceria. Jamais. O senhor pareceu saber de sua intromissão e a olhou rápido. Sorriu e seguiu caminhado em sua direção. Ela levantou- se e foi em sua direção. Ele pareceu surpreso e a cumprimentou. “Ela parou a sua frente e perguntou:” permite-me eternizar sua alma senhor? “Ele sorriu confiante”. A eternidade daquele momento seria irretocável. Com certeza.
Martha Lisboa, 24 de outubro de 2016.