segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Logo de manhã quando a porta se abre, sei bem quem é. É dona Cartola, com toda sua calma chegando com pacote de pão de queijo quentinhos da padaria do seu José, muito devagar ela saboreia cada pedaço, até por fim lamber cada dedo da mão buscando quem sabe, por um último prazer antes de um dia exaustivo de trabalho.
Logo em seguida, sei que o magricela do Alfredo vem chegando assoando o nariz, reclamando do trânsito, contando avidamente entre espirros enquanto dona Cartola sonha com mais um único pedaço de pão de queijo; ele sempre se cala quando percebe que não terá maiores comentários sobre o trânsito, como quando Joaquim chega, batendo porta como de costume, examina sua cadeira três vezes antes de sentar e bocejar reclamando da insônia que sempre o atinge antes das 11 da noite. Normalmente é nessa hora, que as irmãs, Claudia, Beatriz e Joana vem chegando fofocando sobre como dona Cartola come na hora do almoço e sempre repete de duas a três vezes.
Seu João, o gerente, atrasado como sempre chega batendo descompassadamente o pé com suas velhas botas no assoalho de madeira, cobrando sobre cada processo em aberto que estiver parado, para cada funcionário da empresa e dizendo ininterruptamente “É urgente, porra!” - seguida de uma pausa dramática, para depois: “Porra, é urgente!” - As vezes ele só troca o verbo ou a ação de lugar, mesmo. Pobre indeciso.
Durante o dia, o curioso se impõe: duas das meninas estagiárias cochicham silenciosamente sobre algo inaudível, retornando mais o olhar é possível notar distante entre seus próprios pensamentos, Clara, confusa se deve fazer o que o Seu João pediu primeiro ou que sua encarregada, Dona Carlota o pediu mais cedo. Na mesa da esquerda, esta o sempre estranho Calvin, contando seus clipes, pela terceira vez, ele se perde mais uma vez lá pelo número 1545, ele insiste que andam roubando-lhe os clipes, ele só não sabe ainda quem e porquê. A sua direita esta Carlos, sempre procurando alguma coisa em sua sempre atribulada mesa, agora ele procura desesperadamente uma borracha, que ele nem mesmo sabe se já teve ou pediu emprestado. Correndo de um lado para o outro está Maria, sempre tentando ajudar a todos, a todo instante, para mais tarde chorar no banheiro por ter esquecido algo que só ela lembra e nem era tão importante. E por fim, Marcio sempre contando piadas que só ele ri.
Lá pelo meio dia, tudo esta nos eixos novamente e a loucura do escritório, parece ter diminuído, ou se escondido. É nesse momento que em ponto, Dona Carlota, levanta sempre derrubando a cadeira e pede desculpas para Seu João e desce fingindo calma as escadas para o restaurante mais próximo possivelmente. É nessa hora também, que Carlos acha a borracha na lata de lixo, que Maria vai para o banheiro chorar, que Calvin termina de contar os clipes e começa a pensar que na verdade só deixou cair um ontem, antes de sair. Marcio para de rir e decide ficar calado e se concentrar em seu trabalho. E Clara decide fazer o que Seu João pediu, já que ele insiste que é urgente. Falando no Seu João, ele muito desavergonhadamente, mente sobre uma conferência na parte da tarde a todos e vai embora. Dizendo que esta tudo sobre encargo da pobre da Sra Carlota.
É nesse momento, exato momento que o silêncio impera e todos descem para um almoço de uma hora, para à tarde retornar para seus trabalhos tediosos e cansativos, é então que eu saio da minha toca e passeio em volta da mesa de Dona Carlota em busca de migalhas, nada muito bom hoje, rosquinhas que ela comeu as 10hrs e sucrilho que comeu as 11hrs. Subo em sua mesa, nada muito novo, mais do mesmo.
E eu sei que amanhã vai ser exatamente a mesma coisa que hoje, que estarão todos fazendo as mesmas coisas, cometendo os mesmos erros, dizendo as mesmas coisas, andando do mesmo jeito, fazendo o mesmo, sem se preocupar com mais nada que possa vir além da vida.
Como sei de tudo isso? Ora, eu sou só uma formiga que vivo no escritório R&J situado no prédio da rua Gonçalves Dias, e ainda bem que sou só essa formiga que observa tudo de fora. Imagina só se eu fosse um desses loucos humanos que aqui vivem?