PÊSAMES OU PARABÉNS?

Esse é um caso antigo, ocorrido na época em que as famílias eram grandes, muitos filhos, muitos afilhados, muitos amigos, colegas de trabalho e vizinhos que se transformavam em compadres quando, na maior parte das vezes, os casais batizavam os filhos daqueles que eram padrinhos dos seus próprios filhos.

As ruas dos bairros não eram calçadas, as crianças brincavam nas ruas, os mais velhos sentavam nas calçadas para prosear com os vizinhos nas noites quentes dos períodos secos.

Além da família nuclear, na maior parte das casas, havia sempre um parente do interior, ou de outro Estado, que veio para uma visita ou consulta médica e nunca mais se foi.

Nascimentos, batizados, aniversários, noivados, casamentos, velórios e enterros eram parte integrante da coletividade porque todos se conheciam, sabiam-se os nomes de todos os moradores da redondeza, dos vendedores ambulantes, dos donos das mercearias, dos feirantes, leiteiros e padeiros.

As escolas, apesar de terem nomes pomposos como Instituto 15 de Novembro, Colégio Passo da Pátria etc. se não fossem dirigidos por freiras ou padres, eram mais conhecidas como a escola da professora dona fulana, solteira na maior parte das vezes, de comportamento ilibado, respeitada e temida por todos.

Criança mal educada, arteira e preguiçosa com os serviços da casa e dos deveres escolares não tinha vez nessa época em que os malfeitos eram corrigidos com castigo e muita pancada.

Em todas as casas havia um cinturão velho, um pedaço de sola ou de corda, uma vara de marmelo ou como última alternativa, um chinelo pesado para impor a autoridade dos adultos e fazerem-se os ensinamentos das regras sociais e do bom viver. “Em conversa de adulto, criança não dá palpite” e todas iam cedo para a cama porque a noite foi feita para o adulto se ver livre de crianças e moscas.

E eram essas mesmas crianças as entregadoras de encomendas, as portadoras de recados e representantes eventuais das famílias nos eventos da coletividade e Vavá, filho de dona Mariquinha, foi o encarregado de representar a sua família no velório do compadre Zé do Rego.

Antes de sair de casa, depois de ter tomado banho e vestido a roupa domingueira, ouviu mais de uma vez a mãe dizer:

- Não corra que é para não sujar a roupa limpa e quando chegar lá, diga a comadre Belinha, minha mãe mandou dizer que meus pêsames e só volte para casa quando o enterro sair.

Acontece que a casa de compadre Zé do Rego ficava do outro lado da Avenida, duas ruas depois da igreja.

Vavá gostava de jogar bola e no quintal da casa paroquial, seus colegas estavam jogando uma partidinha no intervalo da aula de catecismo e chamaram Vavá para completar o time.

Ele chutou para fora por duas vezes aí teve que ficar no gol até o fim do recreio.

Quando madrinha Rita, a beata catequista, tocou a sineta para recomeçar a aula, Vavá lavado de suor e com a roupa emporcalhada por causa das defesas que fizera, foi-se embora para o velório.

Chegou afogueado por causa do jogo, desconfiado por causa da sujeira da roupa e procurou a dona Belinha que estava chorando bem alto, abraçada por um bocado de gente que ele não conhecia.

Ficou de pé ao lado do caixão observando a cera derretida das velas escorrer, gotejando lentamente no prato do castiçal e quando viu o pessoal se afastando um pouco, chegou perto da viúva chorosa e disse com voz forte e pausada:

- Dona Belinha, mamãe mandou dizer que meus parabéns.

Houve um silêncio total na sala, todos estavam olhando em sua direção, mas por quê?

Ele tinha a certeza de que dera o recado certo.

Ou não?

Será que ele tinha dado o recado errado?

E se não fosse parabéns?

Como era aquele outro nome que a mãe dissera várias vezes?

Ele não conseguia lembrar e ainda tinha gente olhando para ele quando sentou numa das cadeiras.

Era melhor voltar para casa.

E foi o que Vavá fez.

Quando achou que ninguém mais estava prestando atenção nele, saiu de fininho e voltou sem pressa para que a mãe pensasse que ele ficara até o fim do velório.

A mulher que morava na casa da frente e que foi uma das que esteve olhando para ele no velório, estava parada no portão, conversando com a sua mãe. As duas pararam de falar e ficaram olhando para ele e pelas caras delas, sabia de antemão que levaria uma surra daquelas porque além da roupa e da cara sujas por causa do jogo, agora ele tinha a certeza de que aquele nome que tinha esquecido era pêsames...