Memento mori
Enquanto saboreava o seu vinho do Porto envelhecido, olhava com luxúria ao redor e intuía: o melhor restaurante da cidade com certeza não era para qualquer um. Depois de uma rápida conferida na agenda, solicitou altivamente ao garçom que trouxesse a conta. Uma boa gorjeta dispensou também a cordialidade.
Lá fora, com um rápido estalar de dedos quase imperceptível, ordena ao motorista que abra a porta do carro.
-Para a empresa, senhor?
-Não! Para o parque.
Sentado à sombra de um quiosque calcula a rentabilidade, a taxa de juros e os investimentos em ações a longo prazo. Uma réstia do despretensioso sol da tarde lustra-lhe a testa. O lenço de seda canforado elimina o excesso de suor. O zumbido de uma mosca mensageira soa à meio metro de sua têmpora pulsante.
Teve tempo de pensar que os negócios iam bem. No momento o que lhe preocupava um pouco era a sua última mecha de cabelo natural que lhe pendia da nuca, dando sinais de queda iminente. Pensou que poderia provar as moderníssimas perucas de sua fábrica no Rio de Janeiro. Olhou para o alto, depois esboçou uma inusitada careta antes de escorregar suavemente pela borda do banco.
O motorista pensou que ele estivesse apenas tentando pegar o talão de cheques que escapara entre os dedos trêmulos. Quando se aproximou, percebeu o pedido silente e atormentado de ajuda.
-Patrão, patrão, patrão?! O que houve?
A resposta veio em forma de vômito convulsivo. Da boca escancarada descia uma gosma viscosa e pardacenta. No rosto contraído de dor notava-se a fúria da vida que perdia a primeira e mais importante batalha.