FESTA DE RUA
O ano da graça de 1920 estava chegando ao fim.
No antigo pátio da feira armaram uma festa de rua daquelas com as barracas de tiro ao alvo com espingardas, com argolas e ferraduras que todos gostam de jogar e de desafiar os amigos para ver quem tem melhor pontaria, bote para crianças e para os adultos mostrarem que têm força bastante para puxar a corda até ver o bote ir tão alto a ponto de quase dar a volta completa no ar, monga, a mulher amaldiçoada que, dentro da tenda escura, se transforma no gorila monstruoso que ameaça a plateia assustada quase partindo as grades que a prendem e mais um bocado desses brinquedos que todos os jovens gostavam de se divertir e brincar com os amigos, mas principalmente, com as namoradas.
O carrocel movido à manivela por dois negros troncudos, com muitos e belos cavalos de madeira pintada, com as poltronas estofadas e enfeitadas com flores, instalado no centro da festa, era o brinquedo mais requerido por todos. Filas enormes se formavam logo cedo porque todos queriam sentir as mesmas emoções dos antigos soldados das cavalarias napoleônicas.
Naquele tempo, para evitar acidentes com os animais de verdade, caros e já treinados para as batalhas, os soldados usavam o carrocel para o treinamento. Montados nos cavalos de madeira presos nas hastes de ferro, subindo e descendo durante o movimento circular e com alto grau de dificuldade, fossem aperfeiçoadas a destreza, com as armas brancas e a pontaria, com as armas de fogo, semelhantes às condições que seriam vivenciadas numa batalha real onde o inimigo a ser derrotado também estava montado e se movimentando em alta velocidade.
A essa experiência de quase tornar-se um oficial do exército francês, somava-se a satisfação de amparar nos braços a mulher amada que, via de regra, por ter dado várias voltas sentada na poltrona e vendo a paisagem movendo-se velozmente, saia do brinquedo completamente mareada.
Jean-Claude, rapazote de treze para catorze anos, era criado desde a mais tenra idade pelo avô visto que ficara órfão de pai antes de completar o primeiro ano de vida.
Apesar da vida tranquila e sem muitas cobranças, havia a rigidez familiar dos primeiros anos do século XX onde os status e papéis sociais eram observados nos mínimos detalhes, principalmente por ser de família tradicional, criadores de gado, donos de muitas terras e que durante a escravidão, possuíra dezenas de escravos, muitos dos quais, agora recebiam ordenados pelos trabalhos que executavam quer nas fazendas, quer na casa grande da cidade.
Durante o jantar, com a família reunida, o assunto da festa de rua veio naturalmente e, como os comentários foram os melhores possível, Jean-Claude não perdeu a oportunidade de pedir a permissão do avô para ir também desfrutar daquela maravilha.
Ficou então acertado que no domingo próximo, logo depois do almoço o rapaz iria para lá, com a recomendação de que estivesse em casa antes da hora do jantar.
No dia marcado, com dinheiro no bolso, pegou o bonde na porta de casa e seguiu para o centro. De lá teria que pegar outro bonde porque o antigo pátio da feira ficava numa baixada, perto da estação de trens, bem distante do centro.
Nessa época, como ainda hoje, fumar era uma das formas de se provar que era homem macho.
Mesmo sendo sabedor de que bebida e fumo não eram admitidos para nenhum dos membros da família, Jean-Claude comprou num quiosque, desses de ponta de calçada, um charuto Dannemann da marca Robustinho, mais conhecido por Zé Bostinha porque fedia como todos os diabos e o aroma era em tudo semelhante ao excremento humano.
Sentado no primeiro banco e mesmo antes do bonde sair do terminal, Jean-Claude acendeu o charuto e já nas primeiras tragadas sentiu o mundo girar.
O gosto estranho, a saliva grossa e amarga, aquele mal estar de quem está prestes a vomitar, como sentem as mulheres nos primeiros meses de gravidez quando escovam os dentes ou sentem algum aroma que elas consideram nauseante.
O bonde deu a partida.
O movimento aumentou o enjoo e antes que chegasse à primeira parada, o vômito incontido já havia sujado toda a roupa de linho branco, engomada, a gravata e os sapatos novos.
Jean-Claude foi levado para casa semidesmaiado.
No dia seguinte, já recuperado, o avô lhe disse que apesar de ter cometido falta grave ao fumar sem consentimento, não iria repreendê-lo porque o fumo já o castigara e que isso lhe servisse de lição.
Enquanto viveu, Jean-Claude nunca mais voltou a fumar.