Das seis às seis

Bate seu ponto ao passo que seu companheiro amarelado encerra o expediente. Cai nas graças de uns e incita a tristeza em outros, mas sua presença forte e sua postura elegante são inevitáveis.

Desperta em seus admiradores a vontade de bronzear a alma sob a luz prateada que reflete de seu interior, fazendo a invenção dos relógios parecer insignificante. Naqueles que não engolem sua existência, a sensação de solidão, a tristeza das lembranças indesejadas que voltam à memória durante o impacto da cabeça no travesseiro.

Desperta nas crianças a necessidade de matar os monstros que vivem embaixo de suas camas, cobrindo as cabeças com seus cobertores, ou dando passadas leves e sorrateiras até aquele espacinho macio e seguro entre seus dois progenitores que ali dormem. Nos jovens, a vontade de viver a boemia no sentido pleno da palavra, de prolongar o máximo possível o barulho crocante dos amendoins sendo mordidos e das gargalhadas que se dispersam pelo local.

Sinônimo de efemeridade, suas versões quentes carregam um cheiro de alegria, enquanto suas versões frias não se desvinculam do ar tétrico. Um meio de cultura para a saudade, um atalho para encontros e reencontros, uma desculpa para o lazer e um combustível para a introspecção, leva consigo a responsabilidade do rebuscamento atrelado à sua essência.

Cinco letras com incontáveis significados, uma palavra que participa do seleto grupo em que a definição do dicionário não se aplica. Sua existência vem com uma margem gigantesca de interpretações, e a acadêmica é a menos abrangente.

É um fenômeno da natureza na mais simples de suas definições. Taxada como criação divina, ausência de luz, trevas, cegueira. É a noite, a certeza absoluta de que um novo dia surgirá amanhã.