ZÉ RICO E A COZINHEIRA DONA DINDA

Afinal chegara o grande dia! Todos estavam ansiosos por aquele momento. Huguinho, com sua pouca idade, de 3 anos, era o mais eufórico. Corria de um lado para outro do quintal, sempre passando em frente ao chiqueiro para olhar as galinhas e os outros bichos que seriam sacrificados.

Na cozinha, tudo estava pronto. As panelas encontravam-se preparadas e os temperos separados para dar gosto aos belos pratos. A chefa da cozinha, dona Dinda, cozinheira, que se dizia especialista no preparo de galinhas de capoeira, de pebas, de coelhos e de outras iguarias, não conseguia esconder o seu nervosismo, pois, afinal de contas, aquele dia seria o seu teste como cozinheira. Na verdade, a sua fama estava em jogo. Será que todos vão gostar do peba? – pensava, desde a noite anterior, a cozinheira. O peba era o que mais lhe preocupava, pois o preparo dos outros bichos dava para engendrar.

Na espera deste fatídico dia para os animais, porém, alegre para a família de Zé Rico, falou-se até em comer Ziquinho, um papagaio bastante falante e querido por todos.

- Ziquinho, não!!!! Se isso acontecer, eu me mato também – apavorou-se Danielle, proprietária do papagaio, em resposta ao titio Zé Pinto, mais conhecido por Zé Rico, que afirmou, certa vez, em tom de brincadeira, gostar muito de saborear este tipo de ave, desde os tempos em que vivera no interior do Piauí.

O Zé Rico, na realidade, era uma cara que adorava apresentar-se como um ser extravagante e, até certo ponto, diferente dos outros seres normais. Tudo nele era exagerado. E isto fazia questão de demonstrar para todos.

Todos estavam, então, tão tensos naquela manhã nublada de um sábado, de setembro de 1988, que, ao escutarem a campainha tocar, fizeram fila para abrir o portão. Era o titio Zé Rico e o filhinho Felipe, menino da idade de Huguinho, bastante peralta, que juntos faziam artes, as mais difíceis e imagináveis.

Cadê o peba, os coelhos e as galinhas? Vamos comer todos, meninos? – perguntou o titio Zé, em um tom alto e brincalhão, característica de seu comportamento.

Dona Dinda, na cozinha, ao escutar estas palavras, sentiu um calafrio. Será que eu vou acertar cozinhar o peba? Ai... meu Deus! – falou baixinho encostada ao fogão.

Àquelas alturas, a sorte estava lançada. Não podia mais recuar e tinha que aguentar firme. Tinha dado a palavra de que sabia preparar pebas e, inclusive, muito bem.

Não restava, portanto, mais nada a fazer, teria é que encarar, e de frente, o problema. Assim, a cozinheira e o animado titio Zé Rico fizeram com que os bichos fossem escolhidos para o sacrifício.

A partir daí, a carnificina começou. O primeiro a ter o pescoço degolado foi uma galinha preta, que sob os olhinhos traquinos de Huguinho e Felipe, custara bastante a desfalecer nas mãos trêmulas, pelo nervosismo, de dona Dinda, após o Zé Rico passar uma faca enferrujada no seu gogó.

E a matança continuou! Mais uma galinha, mais outra, mais um coelho, que foram rapidamente mortos para irem à panela e, em seguida, aumentando a tensão da mulher, veio o peba. Dona Dinda, na verdade, nunca imaginou que, algum dia, ver-se-ia numa embaraçada deste tipo, pois nunca tinha se visto às voltas com uma quantidade daquela de bichos para cozinhar e o pior é que nunca tinha, em toda a sua vida, visto, sequer, um peba, mas sempre que se falava, no seio da família Pinto, que este bicho era um prato gostoso e fácil de preparar, esta se pronunciava, com certeza, para mostrar capacidade profissional, dizendo que na sua cidade de interior vivia enjoada de preparar e comer tal bicho. Daí, todo este receio da cozinheira, naquele sábado. A preocupação era tamanha, que nem se lembrava, naquele dia, de que a sua folga, tão adorada por ela, dar-se-ia no dia seguinte: o domingo.

Os meninos, Huguinho e Felipe, inocentes quanto ao medo da cozinheira em cometer uma falha e jogar toda a sua fama para o alto, a tudo assistiam, cantando as alegres músicas de uma banda especializada em musicais infantis, mas, sempre que podiam praticavam uma traquinagem para que todos na casa lembrassem que eles estavam presentes.

A partir daquele momento, estava, portanto, posta em prova a veracidade das palavras de dona Dinda, e, talvez, colocada em jogo, também, a sua capacidade profissional perante à família Pinto, pois, até aquele dia, era considerada uma cozinheira de fama no preparo do prato de tais animais.

O titio Zé Rico, com toda a sua ousadia, em poucos instantes, fez com que o peba se ultimasse e, em seguida, o entregou a dona Dinda para que esta providenciasse os devidos temperos e o colocasse na panela, assim se pronunciando:

- Pronto, Dinda... aqui está a peça para você deixar do jeitinho que você sabe e gosta de preparar. Amanhã, com certeza, não vai sobrar nem para a cachorra – a Bela – que está no canil já se lambendo, pensando em comer os ossinhos do resto da comida. Em seguida, com um tom zombeteiro, começou a sorrir.

Dona Dinda sentiu um frio na boca do estômago, mas não houve outro jeito se não partir em direção da cozinha com o animal para começar a aprontá-lo para o fogo. A partir daquele momento, a sua sorte de cozinheira estava em jogo – não parava de pensar, seriamente, preocupada com o desenrolar dos acontecimentos. Será que vou acertar a preparar o danado deste peba? – esta interrogação martelava a cabeça da pobre mulher, a todo instante, mas não podia demonstrar fraqueza, tinha, na verdade, que agir como se fosse uma verdadeira especialista no assunto.

A esta interrogação, só se teria uma resposta no dia posterior, quando os membros da família Pinto, cheios de ansiedade, iriam saborear os infelizes bichos, oportunidade em que, certamente, a cozinheira, até então renomada, seria devidamente avaliada.

O resultado, no entanto, não se sabe ao certo. Sabe-se, apenas, que quem muito fala, na maioria das vezes, comete sérias gafes e age com pouca capacidade. Já diziam os mais antigos: escutar muito e falar só o necessário, pois se, assim, procedermos, evitaremos alguns problemas desagradáveis, que possam surgir, por conta da nossa indiscrição.

Roberto Vieira
Enviado por Roberto Vieira em 05/10/2016
Reeditado em 25/07/2020
Código do texto: T5782777
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