A cerimónia
À mesa, por entre um vozerio meio surdo e arrastar de cadeiras todos se foram acomodando, enquanto uma legião de empregados perfilados no fundo da sala observavam.
José Anastácio fazia parte do grupo homenageado. Nervoso, procurava que a sua conduta não se notasse entre aqueles senhores finos. Sem saber o que fazer foi-se deixando ficar para trás procurando entre os convidados alguém mais a seu modo.
- Cavalheiro - faça favor! – Convidava um aperaltado empregado perante a imobilidade de José.
Como um autómato deixou-se conduzir. Já no lugar que lhe destinaram sentiu que o empregado desviou a cadeira para que ele entrar. Assim o fez, e antes de aconchegar a cadeira José sentou-se, ficando um pouco distante da mesa. «Com licença!» - Sussurrava o funcionário, mas o José, não percebendo a intenção, arrastou a cadeira, fazendo um barulho que o fez corar, parecendo-lhe que todos ouviram.
A quantidade de copos e talheres era assustador, mas o previdente empregado, discretamente indicou-lhe quais as “ferramentas” a utilizar. Seguiram-se os pratos. O seu aspecto delicioso fazia-lhe criar água na boca. Num outro lugar ficariam sem nada no fundo, e até um bocadinho de pão faria uma varredura. Mas os senhores finos quase não comiam, deixando ir para trás grande quantidade de comida.
«Que desperdício» pensava o José, mas como não queria destoar, também mal tocava na comida. Reparou que mal que bebericasse logo o empregado repunha a quantidade sorvida. Mas o que mais o incomodava era aquele senhor de frente que não tirava a vista de cima dele. Assim era demais, não comia nem bebia, neste que era suposto ser um jantar de homenagem em sua honra. Sua e de mais uns quantos homenageados que não conhecia. O mais certo era ter que acabar a noite numa cervejaria da baixa.
Acabado o jantar, os homenageados e demais convidados passaram a um outro salão onde se iria receber as condecorações pelos feitos praticados durante o ano transacto.
Sobre o olhar de dezenas de jornalistas, um a um foram chamados naquela que seria perto de duas dezenas de homenageados. Seguido da descrição do seu feito e a respectiva condecoração.
José dos Santos Anastácio. É agraciado com a Medalha da Defesa Nacional, pelo feito de; na reparação de uma aeronave, de ter salvado três camaradas de um incêndio que se propagou após uma explosão...
Após a cerimónia seguiu-se um beberete, onde a descontracção deixou que os homenageados se conhecessem, trocando histórias e falando dos diversos lugares de origem.
- Então meu caro amigo, estava bem longe de pensar que o senhor era um dos que iria receber uma medalha.
José Anastácio fixou melhor o seu interlocutor, também ele de condecoração na lapela. Era nem mais que o tal senhor que lhe calhou à frente, e um dos responsáveis de não ter comido nada.
- Então, o amigo gostou da cerimónia?- Perguntou José.
- Nem por isso! Fizeram tudo ao contrário. Primeiro deviam proceder à entrega das medalhas e depois é que era o almoço.
-Tem razão, mas devido ao atraso do avião do presidente, alteraram tudo.
- Sabe o que lhe digo, estou cá com uma fome que era capaz de comer um boi.
- Não compreendo, - observa José – com tanta comida?
- Sim é verdade, mas sabe como é, não queria fazer má figura e como o meu amigo mal tocava na comida, eu fazia o mesmo para não parecer mal.
- Ó cum carago! Comigo passou-se o mesmo. Pensando que o amigo era uns dos tais senhores finos, e que era elegante quase não comer, como o fazia, apanhei a maior barrigada de fome que me lembre.
- Sabe o que lhe digo amigo José, fomos dois saloios. Num banquete em nossa homenagem e passar fome é duma burrice que tresanda a estupidez.
- Bom, mas como quem não comeu que comesse, proponho-lhe mandar abaixo uns bifes numa cervejaria que conheço ali na baixa.
- Apoiado! Nada como beber e comer sem que reparem em nós e, conta-me melhor como é que salvou de morrerem queimados os seus camaradas no avião em chamas.
- Ora, ora amigo Joaquim, mais heróico foi resgatar de baixo de grande tiroteio o seu comandante de pelotão.
- Fiz por instinto, tal como o José.
-Tem razão, mas agora o instinto pede é mais, uma cervejinha e um prego no pão.