A Quadratura do Círculo-cap. XXI

Essas recordações vêm à minha mente quando vejo minha atual condição, nesse cubículo insosso e insípido; o que é a vida humana? Nascer, crescer, às vezes casar, gerar descendentes, mas para quê? É só isso? Por que essa loucura da existência, e todo dia levantamos e seguimos essa rotina, como se fôssemos teleguiados, em busca de não sei o quê.

O mínimo do mínimo é sofregamente suado, e tudo é conseguido a peso de ouro. Uns dirão que essa é a graça da vida, mas quem me dera folgar a vida, sem me preocupar se vou tero que comer amanhã; aliás, já vivi isso. A família de Paloma era abastada; quer dizer, remediada, um pouco de exibicionismo , um viver a vida para mostrar aos outros o que você não é , mas pega bem. Lembro do sítio deles; o velho se queixava das despesas, mas Manolita, sua mãe , adorava a região, que lembrava da Catalunha, e não abria mão das terras. Eu ia lá às vezes, contra a vontade do babo, que fazia cara feia na ida e na volta.

Havia um pequeno haras no sítio; Paloma gostava de se vestir de amazona e usava vestimentas adequadas para a ocasião; vestia aquela indumentária justa, com coturnos de jóquei. Seus cabelos longos e negros a deixavam irresistível. O sítio estava cheio com a parentada toda, crianças correndo de um lado para o outro; a italianada ruidosa, juntando com os espanhóis faladores, dá para imaginar. Paloma chegou-se a mim , toda melíflua e me convidou:

-Vamos cavalgar?

-Mas eu não sei andar a cavalo.

-Como não sabe? Você não sabe de nada; vem que eu te ensino.

-Esqueceu que sou filho de quitandeiro; acha que temos cavalos; só se for um burro pra puxar carroça.

Mostrou um certo aborrecimento; mas depois se desculpou:

-Ih, esquece essa tua origem proletária; eu ligo pra isso por acaso? Vamos lá?

Como recusar o convite de uma jovem dama para andar a cavalo por aquelas paragens? Só que o babo, seu pai, ao nos ver passando, falou, quase resmungando:

-Aonde vão?

-Só vamos dar uma volta a cavalo!

-Agora não; vamos almoçar e tem muita gente aqui!

Manolita, sua mãe, discordou:

Deixe “ los dos”, deixe fazerem “ lo que quieren!”

Manolita era mais compreensiva, mesmo sendo uma catalã daquelas com cabelo nas ventas; Manolita Gutierrez Moscoso Brontolonni; dizem que foi dançarina de flamenco; quando conheceu o babo, mudou seus costumes; a família falava; desde então passou a ser uma senhora do lar e bem vista pela famiglia. Mas talvez Paloma tenha herdado algo dela, como quando se insinuava, da maneira como fazia agora. O fato é que sua mãe era alguém bastante liberal para sua idade; sabia das atitudes de Paloma e encarava como algo natural e que faz parte da vida. Algo são e que não nos torna melhores ou piores, mas apenas seres bem resolvidos com suas vidas.

Subi , todo desajeitado naquele cavalo bonito; não sei se merecia estar montado nele, tanto é que o bicho não foi muito com a minha cara, porém Paloma, toda serelepe, montou no cavalo alazão como uma verdadeira amazona, e , ia na frente, toda graciosa; atrás eu, todo destrambelhado, com um medo danado que o bicho me jogasse fora dele. Íamos por aquelas paragens; o vento batia em seus cabelos e a deixava mais bela e graciosa ainda. Paramos à beiro de um lago. Ela desmontou.

- Que bela paisagem- eu não sabia o que dizer.

Ela não perdeu tempo:

-Abrace-me!

Tomei para mim aquele corpo jovial e não demorou muito para ela se desvencilhar daquelas roupas e mergulhar no lago; eu fui atrás.

Voltamos mais tarde; o babo farejava tudo que tínhamos feito; fez uma cara de querer me enforcar; Manolita nem se incomodou:

- Estão com fome?

Estávamos, sim , com fome de vida, e vivemos bastante naquele tempo. O que ela viu em mim , não sei, só sei muito bem o que vi nela e, vejo até hoje.