Dois minutos para dormir

Dois minutos para dormir

“Ela gostava de músicas para ouvir de olhos fechados. Seu instinto febril por sentimentos a levava a recantos solitários onde apenas ela sabia onde ficava, e somente ela sabia como voltar. Tantas vezes, de olhos fechados, lágrimas caiam revoltas por seu rosto indefectível. Nada transparecia, mas seu interior era um campo aberto a tufões e redemoinhos. Seu coração quase frio não dava conta de seus desejos e saudades, no fundo só queria sentir-se segura e salva, apesar de estar sempre à beira de um abismo. A vida era apenas um breve lapso no tempo de suas memórias e ela ansiava o dia em que daria um revés e pudesse reparar alguns erros. Sabia que era impossível mudar o passado e por isso mesmo recusava se em aprender com ele... Então chorando de olhos fechados abria os braços e sussurrava uma prece de salvação em busca de uma afirmação ou aceitação. Jamais se entregaria. Jamais. O dia estava propicio ao desgosto: frio, escuro e úmido. Decidiu colocar uma roupa qualquer e sair ao relento, a chuva não iria matá-la no máximo a deixaria resfriada, nada que um bom caldo quente não ajudasse. Caminhou algum tempo sem saber bem onde iria encontrar o que buscava. Era inevitável não se sentir velha e desamparada apesar de sua quase meia idade. O tempo não lhe fora muito favorável, bem como suas infinitas preocupações acerca de quase tudo e todos a sua volta. Não que carregasse um mundo em seus ombros, mas suas preocupações eram um universo inteiro. Ainda decidindo que passeio ou caminho andar, passou a observar suas mãos. Esquecera a chave, de novo. A casa aberta seria um convite livre a intrusos. Intrusos. Esses sim pareciam esta sempre a espreita de uma oportunidade de invadir alguma gaveta se sua vida. Sentia um medo inexplicável de ser invadida, não era atoa que quase nunca saia de casa, em seu trabalho era o mais quieta e distante possível e, claro seus amigos eram tão poucos que nem valia a pena fazer uma festa de aniversário. “Dane-se a chave , e dane-se a porta!” exclamou baixinho, para si mesma. Por sorte não havia esquecido os fones de ouvido munido com suas mais preciosas musicas. Lançou mão das lagrimas e lembrou-se que gostava de ouvir o barulho da rua e do parque cheio de crianças barulhentas e birrentas brincando de brigar. Elas não estavam lá. Nada mais era como antes. Ninguém a esperava na praça vazia isenta de culpa e assolada pelas lembranças. A garoa parecia querer dar uma leve trégua, dando-lhe a possibilidade de escolher andar ou sentar em qualquer beirada de banco e divagar sobre tudo. E era assim, sempre voltava a seu ponto de partida. Livrou um dos ouvidos do fone, fechou os olhos e pode mesclar o silencio da praça aos acordes roucos de uma doce sonata. Por um momento sentiu-se mais leve e deliciosamente perdoada de alguns pecados, largou-se assim por um largo tempo e pouca coisa a incomodaria naquele momento. Quando finalmente permitiu-se abrir os olhos, o Sol já havia se posto e as primeiras piscada da noite já haviam acontecido. Levantou-se e refez o caminho de volta para casa, tomaria um bom banho, colocaria uma roupa nova e sairia para comer algo quente, e quem sabe encontrar alguém. Por que todos sempre carecem de outro para ser feliz? Ela sabia que nada termina quando acaba, era apenas uma forma de voltar ao princípio. Então retornaria para casa mesmo que só faltassem dois minutos pra dormir”.

Martha Lisboa.

27.09.2016.