Genuino Brasileiro da Silva
Quatro horas e vinte minutos, mais uma madrugada na vida de Cleverson da Silva, dezessete anos, auxiliar de pedreiro, analfabeto e como todo bom brasileiro anêmico.
Levanta com todo cuidado do mundo para não acordar seus pais e seis irmãos que dormem, assim como ele, amontoados no canto do barraco de duas peças em que vivem, ou melhor, sobrevivem.
Veste roupas surradas, tão castigadas como ele próprio, que ganhou de parentes ou conseguiu na paróquia próxima a favela onde mora a cerca de sessenta quilômetros do centro de Curitiba a “cidade da gente”.
Coloca dentro de uma lata vazia de cera de assoalho, que utiliza como marmita, um pouco de arroz, feijão e meio ovo cozido que sua mãe preparou na noite anterior e que será a refeição de um dia inteiro.
Ainda escuro, nas frias madrugadas curitibanas, espera junto com tantos outros “da Silva” como ele o ônibus para tentar ganhar seu sofrido salário mínimo. Após duas horas pulando de ônibus em ônibus chaga ao serviço onde labuta levantando tijolos, desmanchando sacos de cimento, fazendo rebocos, durante oito horas seguidas, seis dias por semana com um único objetivo: o primeiro sábado após o quinto dia útil do mês, pois é quando acontece o bailão da Sociedade Beneficente Rosas do Barro Preto ou como é mais conhecido por seus assíduos freqüentadores “Barrão”.
Assim como quem segue um ritual, em dia de baile após o serviço vai para casa toma um banho rápido, coloca a melhor camisa que tem, veste a calça social que usa para ir a igreja, o sapato de domingo e para dar um toque final passa muito perfume de cravo da Avon presente de sua mãe que é revendedora da marca para auxiliar no orçamento doméstico.
Sai de casa às nove horas, passa no bar de seu Augusto e toma alguns “rabo de galo” para firmar o pulso e molhar as palavras o que em sua simplória concepção do universo feminino facilita no trato com as damas.
Quando sente que já está no ponto, “calibrado”, pendura a conta com seu Augusto e sai feliz em direção ao “Barrão”.
No outro extremo da cidade a cerca de cinqüenta quilômetros do centro de Curitiba, mora com seus pais e mais cinco irmãos, Anita Amália Brasileiro. Quinze anos olhos negros como jabuticabas maduras e brilhantes como a lua cheia, corpo franzino, mas com uma beleza dissimulada quase obscena. Estudou até a quarta série do primeiro grau o que significa que mal sabe assinar o próprio nome. Trabalha em uma loja popular nas proximidades do terminal de ônibus metropolitano o terminal Guadalupe. Emprego esse conseguido em troca do silêncio devido ao aborto que sua irmã mais velha fez do filho que esperava do turco Riad, dono da loja onde trabalhava.
Por influência de suas irmãs assim como da maioria das meninas que vivem próximas ao barraco onde mora, também é freqüentadora do “Barrão” onde entra mentindo a idade. Talvez por obra do destino ou da matemática afinal menos com menos da mais, conhece Cleverson por quem se apaixona.
Assim como seguindo uma profecia ou regulamento, a vida segue seu rumo. Após seis meses de namoro Anita engravida e Cleverson que é pobre, mas rapaz direito, como manda a etiqueta propõe casamento o que é prontamente aceito pela moça, afinal a esperança é a última que morre e bem ou mal é uma maneira de tentar passar menos fome, serão apenas três bocas para comer.
Juntando o pouco que ela ganha com a miséria que ele ganha constroem um barraco e vão morar juntos em uma invasão na região metropolitana cerca de setenta quilômetros de Curitiba. Talvez por milagre, teimosia ou mesmo uma brincadeira sádica da vida nasce mais um brasileiro que recebe quase que poeticamente o nome: Genuíno, por parte da mãe Brasileiro e por parte do pai da Silva.