A Quadratura do Círculo-cap. XIX

E havia o tio Adamastor, o doido da família, sempre mudando de emprego e filando a bóia contada lá de casa. Mas se dizia o tal, que tinha andado pelo mundo e, lá em algum lugar perdido na Amazônia tinha achado, jogada embaixo de uma árvore, uma pedra cinzenta; esfregou na camisa e brilhou...não fez caso dela e pôs no bolso. Anos depois analisou e...

-É ouro !- disse o joalheiro.

-E por que você não vende? – era a mamãe, interessada.

-Eu não vendo não; quero esperar o ouro valorizar; ela vai mudar a minha, nossa vida, mana...vou te comprar uma casa térrea, branquinha, com varanda.. e, pro meu cunhado, um carro na garagem!

Mamãe se emocionava, já se vendo na casa própria, sem se preocupar com os aluguéis atrasados, fiadores...oficiais de justiça. Nós, eu e a minha irmã, nos víamos no carro que nossos vizinhos trocavam todo ano...

-Lorota! Esse camarada só inventa história pra nos enrolar. Onde já se viu? E por que anda molambento e vive aqui em casa?

Meu pai, apesar de não ser um empreendedor, formado em Sociologia, mas quitandeiro, sabia das coisas da vida e percebia que meu tio era inventor de histórias como seu pai.

Mas, todos os dias, na mesa, já sonhávamos, entre garfadas, como quando andávamos nas ruas, víamos as lojas, víamos as novelas . O comercial mostrava uma casa que não existia com pessoas de imaginação, como autômatos, como as pessoas de nosso sonho.

-Estou negociando com um comprador...o camarada me ofereceu $....; acho pouco...

-Venda, você está precisando, mano...

-Nunca ! Quero um preço melhor!

Um tempo depois :

-Olha, acho que mês que vem vocês estarão na nova casinha...já andei vendo umas...

-Mas, já vendeu a pepita?

-Não, mas o Zé... me prometeu um comprador...

A nossa casa ficava suspensa no ar...já nos víamos dentro do carro...tocando a buzina...olhávamos os modelos nas ruas...o cavalinho na capota, os escapamentos, o estofado de vinil.

-E quedê essa tua pedra? Deixa eu ver...- era papai, bravo.

Não posso mostrar; está no cofre...

E mudava de conversa. E não é que o Tio Adamastor começou a comprar roupas novas, uma pulseira de ouro, um relógio... uma jaqueta de couro...

Mamãe se animara...era uma prova da verdade...mas só nos dera uns doces finos, um vestido para mamãe, um vinho francês para meu pai... e nada!

Um dia, mamãe chegou-se a ele:

- Olha, o papai está com reumatismo; não temos como leva-lo ao médico; será?

-Mas eu, eu não posso...olha, isso que dei foi por causa de um serviço que eu fiz; não tem nada a ver com a pepita.

Depois disso sumia por uns tempos e a pepita, esse ser capaz de transformar sonhos etéreos em realidade, ficava suspensa no ar, como um único e último suspiro de esperança em nossas vidas duras e embrutecidas. Sentávamos à mesa e comparávamos nosso mudo palpável de pratos, talheres e pouca comida com o da imaginação pura e simples e saboreávamos cada detalhe, enquanto mamãe curvava-se e punha a salada amarga à mesa.