Ciranda de lobos
Uivam dentro de mim. Dilaceram minha alma. Rasgam-me por dentro me condenando por algo que fiz, ora pelo que não fiz. E o que foi que fiz ou não fiz? Pergunto-me sempre sem encontrar respostas! Meu erro teria sido ver a vida de forma muito objetiva? Ou ter sido excessivamente responsável em, praticamente, todas as minhas ações? Talvez tenha sido esse meu erro, pois há momentos em que as coisas não podem ser levadas tão a sério! Mas isso só se aprende depois de anos e anos de experiências. Ah...então esqueçamos tudo isso!
Sei que não justifica, mas tive um pai exigente, desses que não podem ver o filho parado que já quer uma explicação convincente para aquele momento de ócio. Ou seja, aprendi a estar sempre na ativa, daí meu dinamismo frente a vida. Nunca ninguém me encontrará disponível. Passo de uma atividade à outra sem nem mesmo me dar conta. Sinto-me um asno a trabalhar incessantemente. Mas sou feliz assim! Ou penso que sou, sei lá! Tanto faz!
Lobos e lobos vão habitando nossa alma ao longo do tempo, a ponto de já nessa minha idade um tanto avançada, ter mais lobos dentro de mim, guiando meus anseios e vontades, do que uma identidade própria a exigir prazeres e satisfações. A essa idade a identidade de uma pessoa já se mostra meio turva.
Um desses lobos parece ter invadido minha alma ainda na infância ou mocidade, trazendo-me garra, coragem e persistência. Graças a ele, tenho conquistado meu espaço, conquistado o respeito das pessoas com as quais convivo. Ele, embora hostil também em alguns momentos, é responsável por alguns poucos, mas bons momentos de minha vida. Esse lobo, sinto, não me abandonará jamais! Nem quero que me abandone. Esse vou alimentar com toda a força de minha alma. É o lobo da resistência e da coragem.
Há vários outros lobos, nem sei se que quero falar deles agora. Porém, há um lobo (e desse eu quero falar!) que me consome e exaure minhas forças. É o lobo do medo da violência das ruas. É o lobo do medo da incoerência das pessoas com as quais convivemos. É o lobo do medo que toma conta de minha alma, avolumando-se numa ordem crescente e sem espaços para recuos ou ressentimentos. É o lobo do medo da insensatez dos que governam massas desorientadas e disformes em busca de um norte. É o lobo do medo da angústia que toma conta de minha alma. (E eu tenho alma?) Acho que tenho lobos apenas em minha alma! É verdade! Já não tenho mais alma. Tenho lobos em minha alma. Lobos que uivam, que gritam, que vociferam e que me aniquilam diante da vida! Nada mais aniquilador do que a dor de um pai ou mãe que tem seu filho ceifado da vida pelo excesso de violência nas ruas. Até esse meu lobo do medo sofre e chora quando a violência da rua é vencedora. E aí percebo que os lobos também são sensíveis. Pobres lobos, quanto sofrem comigo esses meus lobos!
Um desses lobos, outro dia, ousou colocar as asinhas de fora, desobedecendo ordens de minha natureza tímida! Por isso vou adjetivá-lo de lobo ousado! Fez-se passar por bom menino. Conquistou minha confiança (ou minha displicência? Nem sei, mas isso não importa!) e me encorajou a ir a uma dessas redes virtuais que aceitam tudo quanto nela se deposita e, então, nela marquei presença com minhas subjetividades. Gostei da brincadeira! Foram lobos e mais lobos que escaparam de minha alma, ali naquele momento, deixando em mim a sensação de liberdade, de leveza na alma.
Eu sei que as redes sociais não espelham exatamente a essência das pessoas, ao contrário, nelas pode-se projetar anseios como sendo experiências vivenciada e exitosa; pode-se esconder em uma personalidade que nem coincide com a sua. Assim, euforicamente, comecei a curtir ideias veiculadas por outrem, mesmo não concordando plenamente com elas; a solidarizar-me com pessoas que nem conheço; demonstrar pontos de vista meus sobre fatos de várias esferas da vida e curtir outros pontos de vistas com os quais nem sequer concordo. Era um lobo atrás do outro mostrando sua cara e formando uma ciranda de lobos. Foi então que revivi minha infância, quando brincava de roda (ciranda-cirandinha). Aliás, as redes sociais assemelham-se às cirandas-cirandinhas. Ou não? Eu acho que sim!
Na infância, quando brincávamos de roda, era normal que meus coleguinhas se aproximassem, entrassem, avaliassem se haviam sido bem-aceitos ou não naquela coletividade; percebiam se tinham ou não condições de permanecer na roda, decidindo entre ficar ou sair. Os olhares dos lobos das almas de cada participante da roda direcionavam as ações de cada um de nós.
Atualmente, já madura e em tempos de internet, pego-me analisando semelhanças entre a permanência e a frequência em redes sociais e a participação em brincadeiras de roda: a pessoa curte (se aproxima), expõe um ponto de vista (entra na brincadeira), observa se foi bem ou mal aceito (avalia) para continuar a tecer outros tantos argumentos, formando uma ciranda infinda. Ou, ao contrário, sente a resistência do grupo ou de alguém do grupo em não querer sua participação na ciranda e desiste dessa participação. Ou, ainda, desiste por estar mesmo sem argumentos para o debate. É normal e aceitável que as experiências não coincidam. Há os que insistem ainda assim, fingindo-se intelectuais. Pagam mico! Mas sentem-se conectados em rede, numa ciranda sem fim. Uma ciranda que não é a cirandinha, mas é uma ciranda de lobos!